terça-feira, 13 de novembro de 2012

MEDICINA DE MÁQUINAS

Na relação médico-paciente, uma consulta (anamnese) feita de forma segura, calma e confiante jamais substituirá qualquer procedimento diagnóstico. A primeira entrevista de um paciente com o médico, se mal conduzida, se for superficial e sumária pode trazer riscos de diagnósticos incorretos, exames inadequados e caros, retardo no esclarecimento da causa da doença e sérios transtornos nos contatos futuros do profissional com seu cliente. Trata-se de um algoritmo lógico e técnico que não pode ser quebrado: anamnese(ausculta)> exame físico >exames diagnósticos. Infelizmente hoje temos assistido com as gerações mais novas de médicos uma inversão desta milenar arte da consulta médica , que é primeiro saber ouvir o doente e interpretar suas palavras ( auscultar), depois interrogar e colocar os ouvidos e mãos no paciente , depois sim exames complementares, se necessários. Os avanços das ciências médicas com os métodos diagnósticos e terapêuticos de ponta (high tech) vem inebriando os profissionais de saúde. Os médicos pouco ouvem, pouco veem, pouco examinam seus doentes. Torna-se cômodo simplesmente listar exames caros e a esmo, entregar ao cliente e aguardar os resultados. Fica a parecer um jogo lotérico, quanto mais exames se faça mais chance de algum dar alterado. Se nenhum der pistas diagnósticas , tudo recomeça do zero. A tão antes valorizada relação médico/paciente tem se tornado maquinal, robótica, informática, fria e sem diálogo ; ou seja inexistente! Na década de 1950, uma boa historia clínica, um eletrocardiograma e radiografias simples eram tudo que o médico tinha na área cardiovascular. E olha que se resolvia tantos casos quanto os médicos de hoje. Com as modernas técnicas de imagens de agora pode-se mapear o corpo humano de alto a baixo. Isto é inovador e eficaz? Claro que sim, mas com critérios. Existe o alto custo e tem efeitos colaterais. Imagina a carga radioativa de raios x, tomografias em um curto período de tempo , pode ser um perigo invisível e que um dia deixará suas marcas . O paciente nesses laboratórios modernos de diagnóstico e investigação passou a ser um número, um prontuário, um caso bom ou ruim, uma boa imagem para publicação, uma ilustração de aula, palestra, etc. É a tecnologia da desumanização da Medicina, do doente fatiado em “peças”. O médico passou a tratar não um doente , mas um coração, um fígado, um pulmão, um cérebro, uma perna e assim por diante. Um dia desses eu senti esta tendência na pele. Um médico-residente de cardiologia trouxe-me para opinião um cateterismo de um paciente que ele atendeu. O exame exibia uma doença coronária, cujo sintoma é angina (dor) no peito. Perguntei ao colega residente: trata-se de angina estável ou instável? Ele não sabia, não havia perguntado ao doente como era e qual a frequência da dor. Faltou melhor auscultar os sintomas do paciente e interpretar suas queixas, as dores no peito que o motivaram a buscar ajuda. Há certos diagnósticos que se faz tão somente ouvindo as queixas do enfermo. Imagina um indivíduo com sintomas de esquizofrenia. Todos os exames bioquímicos e de imagem serão rigorosamente normais. A confirmação diagnóstica só se faz interpretando(ausculta) os sintomas do doente. A medicina vem perdendo “pari passu” este lado humanístico que a sempre a caracterizou. Trata-se de um sacerdócio , onde o médico deve estar aberto a todas as confissões e angústias do cliente. Na gênese dessa deturpação de uma relação profissional com o paciente de generosidade, de amparo, de conforto entram vários fatores. A baixa qualidade da assistência oferecida pelo SUS , políticas públicas ineficazes e de pouco resolução para doenças as mais corriqueiras que assolam nossa população , falta de hospital e unidades que atendam a todos com dignidade, etc. Do lado do profissional da saúde, podemos citar a baixa remuneração nos serviços públicos, péssimas condições materiais e estruturais oferecidas pelo governo, necessidade de múltiplos empregos para se viver dignamente. O que seria ideal para o médico? Ter apenas um vínculo de trabalho e ser pago de forma digna para isto. Seria como ocorre na área jurídica, onde há a exigência, de dedicação exclusiva. Para isto, seria oferecido, salário justo e condições de trabalho compatível com o múnus exercido : Cuidar da saúde dos outros dentro dos melhores princípios éticos e técnico-científicos. Aliás, um direito de todos, creio uma cláusula pétrea de nossa Carta Magna. Mas, enquanto o gozo desses direitos não chega de forma plena, nós profissionais da saúde, podemos fazer um pouco mais de arte do que Ciência, mais humanismo do que tecnicismo, mais ouvidos, mais olhos e mãos, do que as grafias de tantos pedidos de exames, das ultrassonografias, das radiografias, das tomografias, e assim por diante. Vamos pensar nisso que dá para fazer muito mais pelos nossos doentes, que , às vezes pedem apenas para serem mais escutados e compreendidos em suas lamúrias . E nessas horas, nós médicos e humanos, precisamos de ser também pacientes. Joao Joaquim de oliveira joaomedicina.ufg@gmail.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Um sempre tem que consultar em varios lugares de cardiologia no centro, porque não todos os médicos são bons, e um não pode sabe-lo.

Unknown disse...

Ah! Se todos pensassem assim!Com toda certeza necessitamos de uma medicina humanizada, de olho no olho e de ouvidos para lamúrias, isto torna-se uma troca e a confiança com toda certeza é a primeira carga existente entre paciente/médico!Parabéns Dr João Joaquim!

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