RÓTULOS
João Joaquim
Vimos recentemente os presidiários do mensalão se
autointitulando presos políticos. Nada mais impróprio ou incoerente. Quando
muito, alguns podem ser considerados políticos presos, até a perda do mandato
ou renúncia como vem ocorrendo com a maioria dos réus. De resto são presos como
outros condenados quaisquer, é assim o diploma da lei, do código penal, todos
são iguais , até quando presos.
E aqui eu aproveito a deixa para falar numa cultura que
temos com os rótulos, os eufemismos, as nomeações que procuramos dar às coisas,
fatos, circunstâncias, pessoas ou condições físicas e/ou
neuropsiquiátricas . Qual o sentido desta terminologia? Trata-se de um
artifício de abrandar alguma característica dessa realidade ou pessoa.
Exorbitando da esfera conceitual, vamos ilustrar com exemplos de nosso
dia-a-dia. Começo com um exemplo do censo demográfico do IBGE de 2012. O
instituto ,em suas análises de 2012, tem duas classes de jovens na
família brasileira: os cangurus (de 25-34 anos) que são os solteiros que
trabalham , estudam e moram com os pais.Esta analogia com os filhotes
cangurus é muito pertinente. Lembram com os bichinhos, mesmo já criados, adoram
continuar tendo a bolsa marsupial da mãe canguru como abrigo e proteção?
E tem os jovens “nem-nem”. São os que nem
trabalham, nem estudam; mas moram, comem e vivem às expensas dos
pais. O porquê dos “nem-nem”, só lendo a pesquisa na íntegra. Será que foram
pesquisadas as causas dessa nova classe de pessoas? Elas somam 20% de nossa
juventude. Não é pouca gente.
Outro tipo de rótulo empregado pela sociedade, pelas
associações que cuidam de interesses de seus inscritos e adeptos, se refere ao
de pessoas com as variadas formas de limitações. Sejam elas físicas,
intelectual ou psíquica. A classificação eufemística para estes variados
déficits é o termo especial. Ora bolas , nada mais chocho e insosso tachar uma
pessoa de especial, no intento de escamotear ou falsear uma condição física ou
psíquica que salta aos olhos. Mas, que também não dirá nada se for uma síndrome
psiquiátrica ou neurológica sem um fenótipo bem característico, aquela
condição com uma fisionomia típica.
Imagina a inutilidade do termo especial quando o
acompanhante (cuidador) com este paciente está frente a um profissional de
saúde. O que o doente tem? pergunta o entrevistador. Dr. ele é especial.
Necessariamente vem a 2º pergunta, o que o torna especial? É uma esquizofrenia,
uma paralisia pós-parto, um acidente vascular encefálico? Ou seja, não seria
muito mais direito e objetivo nomear o verdadeiro distúrbio que incapacita
aquela criança, aquele jovem, aquela pessoa representada pelo seu parente,
cuidador ou tutor?
Na área criminal temos também os defensores humanos. Criminosos
de 17 quase 18 anos não são condenados nem réus, eles são infratores. Quando
pegos cometendo homicídios ou assaltos eles não são presos, são apreendidos. Ao
invés de cadeias eles sofrem medidas socio-educativas. São rótulos para aliviar
a barra dos marmanjos meliantes menores de 18 anos. Agora as vítimas são as
mesmas de bandidos maiores. Estupradas, assaltadas, assassinadas, com a mesma
crueldade. Não há nenhum refresco para os coitados.
Como fecho de matéria torno-me, ainda, à
seara da saúde, onde este noviço escriba milita como médico. Muitos já ouviram
os termos início desta ou daquela doença (infarto, pneumonia), ameaça
disto ou daquilo(derrame, parada cardíaca) ou pré-doença (pré-diabetes,
pré-infarto). São condições que não existem em medicina. Toda doença tem
início, meio e fim. Nem existe pré-doença.
O que se pode afirmar é que doenças têm uma gradação
(grau). Elas podem ser leves, moderadas ou severas. Enfim, trata-se de uma
cultura em todos os povos de criar um novo termo, um rótulo, uma expressão vaga
ou dúbia, para o único fim de minimizar, omitir ou abrandar um estigma
psíquico, físico ou civico-social. Não deixa de ser um disfarce ou subterfúgio
do talento criador do gênero humano.
João Joaquim médico- cronista DM joaomedicina.ufg@gmail.com
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