quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

RÓTULOS




 RÓTULOS




João Joaquim 


    
Vimos recentemente os presidiários do mensalão se autointitulando presos políticos. Nada mais impróprio ou incoerente. Quando muito, alguns podem ser considerados políticos presos, até a perda do mandato ou renúncia como vem ocorrendo com a maioria dos réus. De resto são presos como outros condenados quaisquer, é assim o diploma da lei, do código penal, todos são iguais , até quando presos.

E aqui eu aproveito a deixa para falar numa cultura que temos com os rótulos, os eufemismos, as nomeações que procuramos dar às coisas, fatos, circunstâncias, pessoas ou condições  físicas e/ou neuropsiquiátricas . Qual o sentido desta terminologia? Trata-se de um artifício de abrandar alguma característica dessa realidade ou pessoa. Exorbitando da esfera conceitual, vamos ilustrar  com exemplos de nosso dia-a-dia. Começo com um exemplo do censo demográfico do IBGE de 2012. O instituto ,em suas análises de 2012,  tem duas classes de jovens na família brasileira: os cangurus (de 25-34 anos) que são os solteiros que trabalham ,  estudam e moram com os pais.Esta analogia com os filhotes cangurus é muito pertinente. Lembram com os bichinhos, mesmo já criados, adoram continuar tendo a bolsa marsupial da mãe canguru como abrigo e proteção?
E tem os jovens “nem-nem”.  São os que nem  trabalham, nem  estudam;  mas moram, comem e vivem às expensas dos pais. O porquê dos “nem-nem”, só lendo a pesquisa na íntegra. Será que foram pesquisadas as causas dessa nova classe de pessoas? Elas somam 20% de nossa juventude. Não é pouca gente.

Outro tipo de rótulo empregado  pela sociedade, pelas associações que cuidam de interesses de seus inscritos e adeptos, se refere ao de pessoas com as variadas formas de limitações. Sejam elas  físicas, intelectual ou psíquica. A classificação eufemística para estes variados déficits é o termo especial. Ora bolas , nada mais chocho e insosso tachar uma pessoa de especial, no intento de escamotear ou falsear uma condição física ou psíquica que salta aos olhos. Mas, que também não dirá nada se for uma síndrome psiquiátrica ou neurológica sem um fenótipo bem característico, aquela condição  com uma fisionomia típica. 

Imagina a inutilidade do termo especial  quando o acompanhante (cuidador) com este paciente está frente a um profissional de saúde. O que o doente tem? pergunta o entrevistador.  Dr. ele é especial. Necessariamente vem a 2º pergunta, o que o torna especial? É uma esquizofrenia, uma paralisia pós-parto, um acidente vascular encefálico? Ou seja, não seria muito mais direito e objetivo nomear o verdadeiro distúrbio que incapacita aquela criança, aquele jovem, aquela pessoa representada pelo seu parente, cuidador ou tutor?

Na área criminal temos também os defensores humanos. Criminosos de 17 quase 18 anos não são condenados nem réus, eles são infratores. Quando pegos cometendo homicídios ou assaltos eles não são presos, são apreendidos. Ao invés de cadeias eles sofrem medidas socio-educativas. São rótulos para aliviar a barra dos marmanjos meliantes menores de 18 anos. Agora as vítimas são as mesmas de bandidos maiores. Estupradas, assaltadas, assassinadas, com a mesma crueldade. Não há nenhum refresco para os coitados.
Como fecho de matéria  torno-me,  ainda,  à seara da saúde, onde este noviço escriba milita como médico. Muitos já ouviram os termos início desta ou daquela  doença (infarto, pneumonia), ameaça disto ou daquilo(derrame, parada cardíaca) ou pré-doença (pré-diabetes, pré-infarto). São condições que não existem em medicina. Toda doença tem início, meio e fim. Nem existe pré-doença.

O que se pode afirmar é que doenças têm uma gradação (grau). Elas podem ser leves, moderadas ou severas. Enfim, trata-se de uma cultura em todos os povos de criar um novo termo, um rótulo, uma expressão vaga ou dúbia, para o único fim de minimizar, omitir ou abrandar um estigma psíquico, físico ou civico-social. Não deixa de ser um disfarce ou subterfúgio do talento criador do gênero humano.
     
  João Joaquim   médico- cronista DM  joaomedicina.ufg@gmail.com

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