terça-feira, 31 de março de 2015

NÃO ERAM TRÊS MORTOS

QUE ME CORRIJA A POLÍCIA, MAS NÃO  ERAM TRÊS MORTOS

 João Joaquim


 O acidente conforme presenciei dos escombros, não as cenas em si, ocorrera assim: grosso modo, o motorista trafegava pela avenida marginal  em desabalada velocidade a cerca de 160km/h e colidiu com uma árvore. Os três ocupantes do carro,  segundo a Polícia Militar,  tiveram morte súbita. Ou melhor foi mais do que súbita, porque infere-se, pelo impacto, que a subitaneidade dos óbitos se deu em segundos, tal a crueza e severidade do sinistro.
Para dar mais um pouco da visão da tragédia, ou dos rescaldos do evento sinistroso pós mortem havia um carro que não era mais carro porque o antes automóvel estava absoluta e inertemente imoto e perenemente imóvel. Sua deformação se resumia a uma rodilha de ferros retorcidos e mal acabados. Seu aproveitamento poderia ser pensado ,se promovesse ao que lhe restou, na fundição das ferragens no fabrico de uma panela velha. E velha porque tal utensílio culinário seria fruto de matéria não prima mas de segundo uso. A identificação de tal desastrado e mofino veículo só foi possível pelo número do chassis porque a placa do antes automóvel tinha se transformado em migalhas e a numeração tinha se esfarelado pelo asfalto.
De pronto uma guarnição da Polícia Militar chegou no cenário do ocidente. Afinal para que  tanta agilidade? Todos já estavam mortos e nada havia o que fazer. Com as vítimas, bem entendido. Desnecessário dizer, mas eu confirmo que muito antes da Polícia o ajuntamento de pessoas era enorme. Todos se encontravam estupefatos! Não com mais um acidente de trânsito que mata 60.000 por ano mais os mutilados e sequelados. O aturdimento e pasmo dos circunstantes eram com a violência, o impacto e virulência daquela colisão carro-árvore. Os efeitos de compaixão e no coração eram visíveis nos olhos, nos rostos e expressões das pessoas.
Quanto às vítimas. A polícia militar afirma categoricamente que eram em número de três. Os resultados do IML e perícia criminalística foi previsto ser publicado  em 30 dias. O tempo é necessário, afinal trata-se de uma profissão que usa o raciocínio lógico, esmeradas técnicas científicas para se chegar a verdade real, aquela irrefutável, insofismável e que não deixa margens às dúvidas.
Entretanto, eu que estive naquele cenário macabro acabo por me divergir de nossas sempre prestimosas Polícias Civil e Militar. Não foram apenas três vítimas e três mortos. Reafirmo tal dissenso com base no que vi com os meus próprios olhos e com os de dezenas de transeuntes que se detiveram ali antes e durante as diligências dos referidos agentes da lei. Mas, ainda haverá a pronúncia final do IML e Polícia Científica. Eu, de mim para mim e para quem me lê , continuo recalcitrante, não eram três os mortos.
Por fim eu não posso me furtar a um resultado que também me despertou alguma condolência. Falo dos destroços vegetais da árvore, partícipe, mas não culpada daqueles danos humanos e materiais. Eu não sei que nome dar àquela espécie vegetal. Posso afirmar que, pelos restos, era um vegetal com plena vitalidade, certamente de porte médio, próximo de uns 10 metros de altura e copa frondosa. O tronco sofrera várias fraturas. Havia muitas folhas verdes e flores desabrochadas e em botões espalhados pelo chão. Todas ainda com as cores e viço da primavera. Digno também de registro era a fauna que se abrigava e vivia em simbiose com aquele agora sinistrado ser vegetal. Na verdade ali vivia de forma pacífica e muito operosa um mini ecossistema com insetos multicoloridos como vespas, formigas, besouros e joaninhas. Não perdendo de consideração que a copa do imponente vegetal era a casa de pasto e pousada de uma admirável  diversidade passeriforme. Todos esses registros e comunicados ficam aqui consignados não por uma aposta ou ilação achadiça deste tacanho e modesto escriba, mas por testemunhos verídicos  dos passantes,  de moradores da  vizinhança que ouviram e viram aquela  indigitada e funesta ocorrência. Nos frangalhos botânicos, no asfalto estirados, eram notórios a diversidade cadavérica de muitas vidas e convivas   daquela espécie verde. Em meio a essa carnificina microbiótica , notavam-se mutilados, sequelados e muitos insetos em pânico. Eu não entendo a linguagem dos insetos como o fazia Gulliver com os Houyhnhnms(cavalinhos falantes) , mas suponho que o grito de dor e medo daqueles bichinhos eram de despertar muito dó e compaixão.
Por isso e em nome da natureza,  em respeito e memória de outras vidas, do reino animal como um todo, e acima de tudo da botânica e do reino vegetal eu me arvoro e me animo a fazer esses reparos. De pronto e incontinenti faço desse relato um ofício às nossas Polícias Militar e Civil . O número de vítimas nesse ominoso acidente não era de apenas três humanos! Necessário e justo que se corrija a estatística (ou estadística) de também um morto vegetal e dezenas de outros micro e pequenos mortos que ali conviviam de forma pacífica, produtiva e muito ordeira.  

       
João Joaquim  - médico e articulista do DM joaomedicina.ufg@gmail.com

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