domingo, 30 de agosto de 2015

MORTE E MORRER

MORTE E MEDO DE MORRER
João Joaquim



  Eu começo esta crônica tomando de empréstimo uma citação do grande escritor, cronista e humorista Luiz Fernando Veríssimo. Numa entrevista perguntaram-lhe sobre a morte. Ao que de bate-pronto ele retorquiu “ É a última coisa que quero para mim”. Quanto humor sadio, severidade e realismo nesta frase. E aí então, sem muita Ciência, cientificismo, religião e pieguismo eu divago um pouco sobre a ideia que nós, os ocidentais, temos sobre essa tal das indesejadas e indigitada das gentes( parodiando Manoel Bandeira, bela perífrase ).
É interessante pontuar , até onde meu intelecto e meu saber alcançam, que o conceito de morte e existência pós-morte varia de acordo com a cultura e as crenças das pessoas. Para ilustrar essa visão diferenciada basta ler alguns princípios e dogmas do Hinduísmo, do Xintoísmo(Japão), do Islamismo. Quando citamos islamismo, não se pode confundir com o fundamentalismo (Isis, Boko-Haram etc). Porque o sistema e crença desses terroristas são uma abominação e absoluta degeneração dos escritos sérios e  sagrados do corão.
Quando se fala de morte para os seguidores e praticantes do cristianismo também fica de fácil entendimento. Afinal o seu protagonista maior, Jesus de Nazaré, personifica bem o que é o ciclo nascimento-vida-morte-vida pós-morte.
Abstraindo um pouco da visão e da era cristã eu gosto muito, tenho mesmo uma grande admiração por algumas correntes filosóficas sobre a bipolaridade de nossa existência vida e morte. Em curtas referências e sem divagações sistemáticas eu citaria por exemplo dois filósofos gregos: Sócrates e Platão, século III e IV a.C. É admirável como a cultura e filosofia desses baluartes da sabedoria grega (ocidental) se coadunam com os princípios e preceitos cristãos do novo testamento. São notáveis e encorajadoras, para os cristãos as convicções e crenças de Sócrates sobre imortalidade da alma. Uma demonstração de sua inabalável fé na imortalidade da alma foi quando condenado (por suas convicções) ao suicídio pela ingestão de cicuta (planta venenosa). Conta-se que no momento de sua execução ele debochou e ironizou dos pretores (juízes) que o condenaram e de seus carrascos. Sócrates afirmou que os seus algozes e inimigos estavam também condenados , não à morte ,mas  ao ostracismo e ao esquecimento, enquanto ele (Sócrates) viveria para sempre. A História revela que grande filósofo e sábio que foi, ele tinha absoluta razão. Sócrates(autor da lapidar frase -só sei que nada sei-) , sem dúvida garantiu seu assento em definitivo no panteão dos gênios e  avatares,  bem como ingresso ao rol dos  bem aventurados no reino dos céus. Viva o Sócrates. Ninguém  se lembra de seus algozes.
 Platão , como se sabe, foi discípulo e grande responsável em perpetuar os ensinamentos de Sócrates. Tornando aqui para nosso mundo menor, cristão e brasileiro. E mesmo para o dos  não cristãos e ateus. Eu penso que nós humanos, somos a única espécie que além de inteligente e racional temos consciência e certeza de nossa mortalidade, de que somos nascidos e mortais( memento mori)  . Outros animais têm medo da morte apenas quando ameaçados, mas não vivenciam a condição de mortais. Existe até um princípio existencial de que o homem (gênero) vive cada dia como se fosse o último, os animais irracionais vivem cada dia como se fosse o único, nem o primeiro, nem o último, mas um contínuo. Uma outra característica muito bacana e saudável das pessoas  é o fato de elas viver como se fossem eternas. Olha quanta beleza reside nessa habitualidade de levar a vida como se fôssemos eternos, sem começo, meio e fim. Imagina o quanto de angústia isso geraria, a todo instante eu me lembrar que um dia vou me apagar. Nós só introjetamos a ideia e sofrimento da morte quando somos ameaçados. Na vigência de uma doença mais grave, de uma ameaça física, frente a um perigo iminente. Basta lembrar das fobias de trânsito, de avião, de altura etc. Nessas horas, na verdade estamos expressando nossa fobia da morte.
Uma última questão que trago à reflexão se refere ao luto vivido pelas pessoas que perderam um amigo ou parente muito querido (filho, pai, irmão). Não é incomum depararmos com aqueles(as) que após a morte de um familiar vivem o resto da vida em profunda depressão e eternos lamentos pela perda desse parente.
O que eu como médico, filho e pai de dois filhos posso falar para essas pessoas em eterna luta no luto por algum parente? Eu que também já passei pelo luto de parentes próximos . Viver a vida da forma a mais bela, a mais pura e ética é o caminho mais seguro de uma vida feliz aqui e depois do aqui.

A morte é um fenômeno indissociável da vida. Diante da  perda de alguma pessoa que nos era querida e amável nos resta, de fato, lamentar o seu fim, a sua extinção de nosso convívio. Todavia, que essa angústia, esse luto não perdure por meses ou anos a fio. Frente à morte de alguém de nosso círculo  de amizade ou de sangue o que devo fazer é aproveitar a memória, os legados que essa pessoa deixou para mim, para a sua família  e para a minha família, quando não até para a comunidade onde ela vivia e para o mundo. Aqui, sim, eu posso então dar significado não só à perda dessa pessoa querida, afetuosa, amável e útil aos que ficam , mas sobretudo às suas contribuições deixadas em vida.  

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