segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Anti-Medicina...

 A ROBOTIZAÇÃO E  DESUMANIZAÇÃO DA MEDICINA.
João Joaquim 

A diferença em qualificação tecnocientífica entre um médico que se forma hoje e aquele que se formou há 50 anos é enorme. E abaixo vem as razões. Há 50 anos não se dispunha da sofisticação de exames que temos atualmente. Nos idos de 1950 e 1960 o arsenal de exames imunobiológicos, hematológicos e de imagens era muito restrito.
Essa carência tecnológica de exames complementares em décadas passadas exigia do profissional de saúde uma formação mais aguçada como clínico; qualquer que fosse a sua especialidade. Especialidades médicas que aliás eram poucas. Na falta de muitos exames laboratoriais o médico se via na obrigação de ter um apurado raciocínio semiológico . Para tanto duas disciplinas na formação médica eram capitais: semiologia e fisiologia( fisiopatologia).
Uma semiologia padrão se inicia através de uma minuciosa anamnese (entrevista). É o  momento   em que deve-se dar liberdade à livre expressão do paciente. Oportunidade em que o médico escutará (escutatória) atentamente cada queixa, sentimento, sintoma e relato do doente. Trata-se de uma fase significativa da consulta médica na qual o profissional já inicia uma análise, um juízo, uma presunção diagnóstica da pessoa.
Terminada a anamnese vem a segunda etapa igualmente importante que é o exame físico. E neste expediente da consulta eu me detenho e exalto a sua importância. Ele representa um item lapidar na consulta de qualquer especialidade.  Com  um exame físico ético, isento e altamente técnico o médico tem a oportunidade de avaliar a natureza do quadro clínico, a intensidade da doença, o diagnóstico anatômico e até a causa (agente etiológico) da afecção motivadora da consulta.
Com os avanços e aprimoramento nas técnicas diagnósticas tem havido, na mesma proporção , um declínio na formação, na aptidão e na capacitação clínica do profissional. O que representa uma perda na formação ou vocação humanística do médico. O que é lamentável. Pelo que assistimos hoje, o estudante de medicina já inicia o curso visando uma especialidade.
O recém formado sai da faculdade certo de que terá ao seu dispor um cardápio enorme de exames. Muitas vezes esse egresso do curso de graduação pouco ou nada conhece dos métodos diagnósticos no mercado médico. O que representa uma distorção em sua formação. Como eu solicito uma tomografia sem contraste, se eu não tenho conhecimento dessa técnica diagnóstica? O que ela vai me revelar? Quais suas limitações, contraindicações e riscos de agravo à saúde? Parece uma insanidade profissional, indicar um exame sem o domínio de sua técnica, e o que pode acrescentar numa boa consulta.
Cada exame complementar se torna significativo e de boa relação custo/benefício, na medida em que haja uma boa correlação clínica na sua prescrição. Nesses tempos da digitalização em tudo, tenho visto um despreparo e imprudência generalizada no emprego de exames complementares. Há profissional de saúde que tem o desplante de frente a uma pessoa hígida, saudável em tudo; solicitar uma lista de 30 ou 40 exames de sangue, sem nenhum critério, sem nenhum dado clínico( sintomas) que os justifique. Charlatanismo puro. Imagine esse cenário, muito encontradiço: paciente jovem, sem nenhuma doença ou queixa submeter a dosagens de vitaminas , minerais, exames de tireóide, enzimas hepáticas, imunoensaios para vírus hiv, hepatites, sífilis , doenças inflamatórias; considerando que este cliente não tem nenhum dado semiológico ou epidemiológico , nenhum comportamento ou fator de risco para realizar esses exames. São situações frequentes nos laboratórios.
Sem mais delongas três conselhos eu deixo para os colegas de profissão, sobretudo aos noviços e iniciados.
Primeiro: humildade, consciência e aceitação de que ninguém, nenhum médico sabe tudo que deveria saber. Na dúvida peça ajuda a quem sabe mais. Médico não é magico e nem é Deus; alguns consideram infalíveis. Vaidade pura.
Segundo: clareza na comunicação ao doente e familiar, sobre a impressão diagnóstica na primeira consulta.
Terceiro: moderação e muito critério na solicitação de exames e na  prescrição de medicamentos e/ou  qualquer outra terapia.
O que temos visto hoje são médicos com precária formação clínica, conhecimento insuficiente em semiologia médica, pouca escuta e exame físico superficial do  paciente. Enfim, relação médico/paciente desumanizada e artificial. São profissionais que escutam pouco e mal põem a mão no doente. E para se chegar ao diagnóstico há uma exagerada e inapropriada solicitação de exames.
O expediente de muito exame se torna em uma Medicina fria, maniqueísta, robotizada e desumana, o que  empobrece a relação com o doente e encarece o tratamento. São efeitos colaterais na saúde e no orçamento. O que  desmerece ainda mais a profissão  praticada nos tempos das tecnologias de ponta e digital. Dessa forma são médicos que parecem despachantes de saúde, tal a falta de habilidade e pobreza no raciocínio clínico das queixas e achados alterados num exame físico bem feito.  Outubro  /2017.  

Nenhum comentário:

Necedade especial

  Sejam resultados e produtos de genomas ancestrais ou educacionais, não é incomum deparar-se com um grupo de pessoas (homens e mulheres), m...