quinta-feira, 2 de maio de 2013

Opinião- JORNAL O POPULAR
Cigarro pode ser remédio?
 
Está de volta, mais uma vez, a polêmica sobre cigarros. Desta vez, não apenas sobre os males à saúde que seu uso gera; mas também sobre o desejo de fabricantes de conseguir, por enquanto em outros países, que sejam registrados como medicamento, vendável em farmácias, o cigarro eletrônico - com teor reduzido de alcatrão, porém mantendo a nicotina e centenas, às vezes milhares, de aditivos. A Grã-Bretanha está analisando o pedido de registro do e-cigarro como medicamento, a Nova Zelândia também. Mas esta pretende aumentar o preço do maço de cigarros para R$ 120. A Austrália e o Canadá proibiram sua fabricação. Nos Estados Unidos, os e-cigarros são classificados como produtos à base de tabaco - mas uma das maiores fabricantes do mundo (British American Tobacco), que comprou a indústria produtora da novidade, quer mudar a classificação. E assim ter o melhor de dois mundos – fabricar o veneno e também o suposto remédio. No Brasil, a polêmica está até no Congresso, onde há projetos que querem impedir a Agência de Vigilância Sanitária de proibir – como fez – a comercialização de cigarros com sabor e cheiro artificiais.
O argumento dos defensores do cigarro eletrônico é de que ele não emite cheiros, não gera fumaça tóxica, não incomoda nem prejudica não-fumantes. Com isso, poderia até ser receitado por médicos, porque no mínimo ajudaria a reduzir o consumo. Mas as resistências são muito fortes. O tabaco já é a segunda maior causa de mortes no mundo (6 milhões por ano, 100 mil das quais no Brasil), após a hipertensão (New Scientist, 23/2); em média, reduz em 10 anos a expectativa média de vida dos fumantes inveterados. Diz a Sociedade Americana do Câncer que neste século um bilhão de pessoas morrerão por consumo de tabaco ou exposição a ele. Na China, atualmente já morrem 1,2 milhão por ano.
Mas a briga segue. Os adversários do e-cigarro, como os que o estudam na Universidade da Califórnia, lembram que ele espalha uma nuvem tóxica no ar. A Organização Mundial de Saúde diz que sua segurança ainda está por ser provada. No Brasil, argumenta-se que o poder público gasta mais de R$ 20 bilhões por ano com o tratamento de doenças provocadas pelo fumo (cerca de um terço do orçamento do Ministério da Saúde; três vezes mais do que os impostos recolhidos pelos fabricantes). Enquanto isso, a indústria do setor já é a segunda maior exportadora no mundo (o País é o maior produtor de fumo). Sem falar em que cerca de 30% dos cigarros consumidos no País entram por contrabando, sem nada pagar em taxas.
A fumaça do cigarro libera mais de 4 mil agentes químicos e aditivos, dos quais 300 venenosos e 65 carcinogênicos. A média de mortes de fumantes no País, por esse motivo, tem sido de 100 mil por ano. Apesar disso tudo, a indústria do setor tem recebido incentivos fiscais e altos financiamentos de bancos oficiais (só de um deles, R$336 milhões em cinco anos). Mesmo nos Estados Unidos, onde a comercialização de cigarros é livre, o fabricante é obrigado, a partir deste ano, a declarar, por exigência da Food and Drugs Administration (FDA), o nível de produtos perigosos em seu produto.
Segundo a New Scientist, agora, com o e-cigarro, “o grande dilema é saber se se deve proibi-lo até que sua segurança e qualidade como produto de consumo sejam provadas (...). Nos Estados Unidos, a FDA adverte os consumidores de que ela não pode assegurar essa segurança”. Na Inglaterra, a Action on Smoking and Health também é cautelosa, embora admita que o cigarro eletrônico tem ajudado em alguns países a reduzir quantidade de cigarros convencionais fumada por parte dos consumidores. Na Itália, por exemplo, 9 de 40 usuários de cigarros em grande quantidade conseguiram parar de fumar os convencionais após seis meses consumindo o produto “eletrônico”; outros 16 reduziram seu consumo dos convencionais à metade.
No Brasil, é quase inacreditável a posição de uma parcela ponderável dos congressistas, assim como do ministro da Agricultura, que não só não admitem qualquer restrição – de conteúdo, de publicidade etc. – aos cigarros convencionais, como até pressionam o poder público a ampliar suas “benesses” aos produtores e processadores de tabaco – sempre com o argumento de que o setor contribui para aumentar o PIB e gerar trabalho e renda (sem comparar com os custos públicos e privados do consumo).
É mais uma evidência de como precisam ser aperfeiçoados os métodos de calcular a riqueza produzida por um país – para não deixar de fora os custos (além da não contabilização do trabalho informal, doméstico etc. etc). É preciso colocar todas as cartas na mesa na hora da decisão, fazer todas as contas. Se não, os não-fumantes continuarão a pagar por ônus que não geram.

 
Washington Novaes é jornalista

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