sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Comodismo

ZONA DE CONFORTO

João Joaquim  


Um comportamento a que tenho assistido com certa frequência nesses últimos tempos se chama acomodação. Trata-se de uma inclinação a que muitos chamam de zona de conforto. Estado de espirito e de vontade tal  que aliás ocorre em todas as searas da vida. Desde o âmbito do trabalho, no entretenimento, na vida conjugal, até na iniciativa religiosa.
O que vem a ser a acomodação, zona ou estágio de conforto? Refere-se aquele estágio vivido pelo indivíduo onde ele se encontra sem nenhuma ambição a mais na vida. Sem  nenhuma iniciativa de mudança da condição onde se encontra.
Ele só se propõe a alterar tal situação instigado e mobilizado por convencimento de outra pessoa ou alguma circunstância que o incite a essa transformação, a mudar sua postura de inércia, imobilismo social , profissional e improdutivo. É uma estagnação absoluta.
Uma condição bem encontradiça dessa intitulada zona de conforto está no próprio estilo de vida, onde a pessoa vai acumulando os chamados fatores de risco (FR) para doenças que representam ameaça à saúde, à qualidade de vida e a própria  vida.
Na condição de médico me tornam fáceis tais citações para bem elucidar a atitude ou conduta de acomodação a que muitos chegam;   a tão costumeira e vezeira referida zona de conforto. Para tanto vamos olhar à nossa volta, em nossas relações familiares e sociais, passadas e presentes, e fazer a seguinte reflexão: quantas pessoas nós conhecemos que já ficaram inválidas ou faleceram e que tiveram como causa, de longo prazo, a absoluta falta de prevenção? São dezenas, talvez .
Para mais clareza tomemos como exemplo  aquele indivíduo sedentário, inativo e obeso, que em que pese usufruir de higidez física e boa saúde constitucional.  Ele vai pari passu adquirindo os classificados grandes FR para doenças cardiovasculares e outras afecções oncológicas e degenerativas( infarto e câncer por exemplo). Entre esses já conhecidos fatores mórbidos podem listar o sedentarismo crônico , a obesidade, dieta hipercalórica e hiperprotêica de carnes e frituras, o alcoolismo de variados graus, hipertensão arterial, etc. Nossa sociedade, da hipermodernidade tem na comida uma fonte de “ felicidade”, de autopromoção, de alegria e prazer.  
Assim, como se tratam de fatores de risco silenciosos, nenhum deles representa motivo de mudança do estilo de vida. O portador dessas condições, paulatinamente, entra no processo da acomodação ou zona de conforto. Se nada dói , nada gera falta de ar e desconforto para que incomodar ? Na verdade trata-se de premissas de certa  insanidade mental. Comer, comer, sobreviver e morrer.
Nesse status de conforto ou acomodação, o que levaria o sujeito a alguma mobilização e atitude de melhora? Um susto! Um mal estar, um surto cardiovascular ou algum sintoma de mau agouro. São os casos por exemplo de um infarto do miocárdio, um acidente vascular cerebral(AVC).
Diante de algum desses diagnósticos, o indivíduo rapidamente faz uma retrospectiva de sua vida. Assim, a ameaça de alguma invalidez ou de morte tira de imediato o paciente de sua acomodação, da crônica zona de conforto e a iniciativa de mudança é imediata. Nessa circunstância, pelo medo da morte, de uma invalidez, de pronto o sujeito  é incitado a mudanças do tão antigo estilo de vida, como visto acima dos mais insalubres. Ele então vai fazer caminhadas, procurar uma academia de ginástica, consultar com um cardiologista ou nutrólogo , pilates, um personal trainer, um charlatão famoso da Internet, uma liposuccão de gorduras, uma cirurgia bariátrica, uma plástica de barriga, de glúteos, etc. São imagens de nossa sociedade fremente e demente em visível decadência.
Como na saúde, temos o mesmo processo comportamental em muitos outros cenários da vida. No casamento, quantas pessoas uma vez em vida conjugal entram na sua zona de conforto de forma permanente e tornam a vida na mesmice, numa  rotina sem nenhum encanto a mais?  Muitas uniões chegam ao ponto de absoluta insignificância e falência conjugal. E  a saída é a separação. Se amigável e consensual menos ruim, porque em muitos casos a dissolução do casamento se transforma em um autêntico inferno para pais e filhos; quando não em eternas desavenças e crimes.
Muitos outros exemplos podem ser lembrados do processo da zona de conforto ou acomodação . Na carreira profissional, nas opções de entretenimento e lazer. Até na opção religiosa podem constatar tais comportamentos. Para tanto não faltam os falsos profetas, igrejas com interesse e teologia de prosperidade e lucros pelos dízimos e outras ofertas dos fieis. Um sistema parecido com a venda das indulgências da idade média. Doem-nos  os seus bens e em troca terão um assento no céu. Este o mote ou lema de muitas igrejas.
Uma classe de pessoas na qual constatamos o fenômeno da acomodação tem sido a dos jovens. Ao que sugerem estudos e pareceres de especialistas a questão tem fundamento no processo educacional familiar, nos métodos pedagógicos das escolas e na influência das tecnologias de mídia e redes sociais da internet.
Trata-se de uma influência recente, da idade da própria Internet. O certo é que a  chamada tecnologia da informação(TI) tem trazido este efeito colateral para a chamada geração digital ou z. São as crianças, os adolescentes e jovens, criados e educados quase totalmente imersos nas mídias digitais e redes sociais. Esses vêm formando a legião dos nem-nem-nem. Nem estudam, nem trabalham, nem interesse têm em ambas as iniciativas. Os pais e outros parentes, se tornam os mantenedores. Outra triste imagem de nossos tempos.
E desse embevecimento, desse encantamento, dessa embriaguez e alienação mental tem sobrevindo a tão paralisante e passiva acomodação ou zona de conforto de nossa juventude. Que os pais e educadores não se acomodem e possam evitar essa tendência tão desestimulante e desconstrutiva da pessoa humana. Tal tarefa é possível e deve começar em casa, ainda na primeira infância, e com escolas e professores.  Dezembro/2017. 

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