sábado, 30 de setembro de 2017

VAGABUNDOS E OCIOSOS

DA VAGABUNDAGEM AO ÓCIO E AO  NEGÓCIO

João Joaquim  


Como estava desocupado, quis ocupar melhor a mente. E nessa desocupação dei-me de falar sobre dois termos. Eles não são a mesma coisa, embora pela semântica guardam alguma semelhança. Estou a comentar sobre vadiagem e ociosidade.
Cada idioma tem as suas peculiaridades, em todas as suas disciplinas, em todas as suas etapas de estudo. Se compararmos o português com o inglês por exemplo. Só como dois itens diferenciais: acentuação gráfica (acentos) e sinonímia. Nesses dois quesitos a língua portuguesa é das mais ricas. Por isso também muito difícil de pleno domínio até mesmo para as pessoas nativas. Imagine então para os estrangeiros. O inglês tem poucos sinônimos e sem acento.
A nossa Academia Brasileira de Letras (ABL) já fez várias reformas do idioma. A última por exemplo não me agradou. Tiraram o trema de todos os vocábulos (a exceção de nomes de pessoas) e muitos outros acentos diferenciais. Nessa instituição , que deveria ser o panteão do Idioma, tem muitos letrados e merecidos indigitados imortais. Agora, alguns boçais que vestem o fardão por pura ingerência política e outros poderes escusos.
Se digo para! Meu interlocutor não saberá se estou emitindo uma ordem de parar (o movimento, ação) ou se quero uma finalidade, no caso a preposição para.
Outro item de nossa gramática dos mais ricos refere-se à sinonímia. Uma definição sumária e simples de sinonímia é aquela de um significado aproximado;  nenhuma palavra é exatamente igual a outra. Ela tem vida própria e, às vezes, não pode ser substituída. Só como dois exemplos, amor e saudade. Procure algum sinônimo, ou melhor um termo equivalente, de mesma beleza e eficácia, não existe. Amor e afeto, saudade e nostalgia. Não são iguais. 
Tal introdução mais estendida foi no sentido de mostrar a diferença na descrição desses dois estados ou comportamentos do ser humano. Vamos a eles.
Vadiagem não é igual a ociosidade. Ser vadio é aquele comportamento ou disposição de quem não tem nenhuma deficiência física ou cognitiva e não trabalha. Esta disposição de desânimo para atividades se dá de forma voluntária, espontânea e continuada. Um  outro termo sinônimo para esse comportamento é vagabundagem. É aquele com sentido mais próximo. Vagabundo ou vagamundo é aquele indivíduo que passa a vida vagando ou percorrendo por atitudes ou ocupações sem nenhuma agregação de valor para si ou familiares dos quais o portador desse estado é completamente dependente. O vagabundo tem uma existência parasitária, negativa, um peso morto para a família e sociedade(Estado).
De poucos sabidos, a vadiagem é prevista em nosso ordenamento jurídico como uma contravenção penal. Por definição é o expediente de quem não sendo portador de nenhuma deficiência laborativa, não labora (não trabalha) para prover a própria subsistência, ou o faz com alguma atividade ilícita e criminosa. Tráfico de drogas por exemplo, mendicância vagabunda, ato de esmolar.
Os estudos concernentes à matéria são concordantes em que o comportamento da vadiagem ou vagabundagem tem uma influência educacional familiar. Resulta de uma omissão educacional familiar repassada de pais e/ou  cuidadores para os filhos, desde a infância.
Há pouca influência de marcadores genéticos como verificado em algumas etnias indígenas, asiáticas e populações nômades. Nesses povos passa ser um estilo de vida. Uma vida cigana. Menos danosa à sociedade quando vivem de extrativismo natural.  Muitas vezes, eles se tornam depredadores da natureza ou mesmo se envolvem em muitas contravenções e crimes como forma de subsistência.
Uma característica da vadiagem tem sido a posse pelo vagabundo de equipamentos digitais. Notadamente dos smartphones, com os quais a pessoa só se ocupa de futilidades e outras informações absolutamente inúteis em sentido de cultura ou conhecimento que acrescente um valor pessoal.
Já o estado de ociosidade ou ócio nada tem a ver com vagabundagem ou vadiagem. Trata-se de um momento ou período de completo descanso de um trabalho que exige grande esforço físico ou mental de longa duração. Referido estado de repouso ou quietude difere muito da  vadiagem. O ócio é tão importante  que foi descrito e comentado por um sujeito grego de nome Platão, o filósofo da maiêutica (arte de partejar) e da obra A República.
O ócio pode ser subdividido em ócio de completo repouso, de quietude e silêncio ou em um estado de repouso físico, mas de elevada atividade mental e intelectual. A esse estado Platão o denominou de ócio criativo. Trata-se de um momento ou circunstância em que o indivíduo através de uma profunda reflexão ou raciocínio lógico chega a alguns conceitos, ideias e criações no mundo das artes e ciências. Quantas e quantas invenções e descobertas algum artista, intelectual ou cientista chegaram a elas através de momentos do chamado ócio criativo.
Há uma obra com esse título: ócio criativo, do sociólogo italiano Domênico De Masi. Um pouco distinto do pensamento platônico, mas que trata do mesmo tema. Curiosa é a origem da palavra negócio. Vem de nec otium ( latim, não ócio) , não   ao trabalho,  nenhuma atividade.
Em suma fica aqui essa dissidência entre esses dois estados, de uma coisa não ser a outra coisa. Vadiagem ou vagabundagem é um estado de completo vazio e inutilidade. Já ociosidade, uma oportunidade de muita produção e nascimento de ideias muito profícuas e grandes resultados.  Setembro/2017

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