VAGABUNDOS E OCIOSOS
DA VAGABUNDAGEM AO ÓCIO E AO NEGÓCIO
João Joaquim
Como estava desocupado, quis ocupar
melhor a mente. E nessa desocupação dei-me de falar sobre dois termos. Eles não
são a mesma coisa, embora pela semântica guardam alguma semelhança. Estou a
comentar sobre vadiagem e ociosidade.
Cada idioma tem as suas peculiaridades,
em todas as suas disciplinas, em todas as suas etapas de estudo. Se compararmos
o português com o inglês por exemplo. Só como dois itens diferenciais:
acentuação gráfica (acentos) e sinonímia. Nesses dois quesitos a língua
portuguesa é das mais ricas. Por isso também muito difícil de pleno domínio até
mesmo para as pessoas nativas. Imagine então para os estrangeiros. O inglês tem
poucos sinônimos e sem acento.
A nossa Academia Brasileira de Letras
(ABL) já fez várias reformas do idioma. A última por exemplo não me agradou.
Tiraram o trema de todos os vocábulos (a exceção de nomes de pessoas) e muitos
outros acentos diferenciais. Nessa instituição , que deveria ser o panteão do
Idioma, tem muitos letrados e merecidos indigitados imortais. Agora, alguns
boçais que vestem o fardão por pura ingerência política e outros poderes
escusos.
Se digo para! Meu interlocutor não
saberá se estou emitindo uma ordem de parar (o movimento, ação) ou se quero uma
finalidade, no caso a preposição para.
Outro item de nossa gramática dos
mais ricos refere-se à sinonímia. Uma definição sumária e simples de sinonímia
é aquela de um significado aproximado; nenhuma palavra é exatamente igual a outra.
Ela tem vida própria e, às vezes, não pode ser substituída. Só como dois
exemplos, amor e saudade. Procure algum sinônimo, ou melhor um termo
equivalente, de mesma beleza e eficácia, não existe. Amor e afeto, saudade e
nostalgia. Não são iguais.
Tal introdução mais estendida foi no
sentido de mostrar a diferença na descrição desses dois estados ou
comportamentos do ser humano. Vamos a eles.
Vadiagem não é igual a ociosidade.
Ser vadio é aquele comportamento ou disposição de quem não tem nenhuma
deficiência física ou cognitiva e não trabalha. Esta disposição de desânimo para
atividades se dá de forma voluntária, espontânea e continuada. Um outro termo sinônimo para esse comportamento é
vagabundagem. É aquele com sentido mais próximo. Vagabundo ou vagamundo é
aquele indivíduo que passa a vida vagando ou percorrendo por atitudes ou
ocupações sem nenhuma agregação de valor para si ou familiares dos quais o
portador desse estado é completamente dependente. O vagabundo tem uma
existência parasitária, negativa, um peso morto para a família e
sociedade(Estado).
De poucos sabidos, a vadiagem é
prevista em nosso ordenamento jurídico como uma contravenção penal. Por
definição é o expediente de quem não sendo portador de nenhuma deficiência
laborativa, não labora (não trabalha) para prover a própria subsistência, ou o
faz com alguma atividade ilícita e criminosa. Tráfico de drogas por exemplo,
mendicância vagabunda, ato de esmolar.
Os estudos concernentes à matéria são
concordantes em que o comportamento da vadiagem ou vagabundagem tem uma
influência educacional familiar. Resulta de uma omissão educacional familiar
repassada de pais e/ou cuidadores para
os filhos, desde a infância.
Há pouca influência de marcadores
genéticos como verificado em algumas etnias indígenas, asiáticas e populações
nômades. Nesses povos passa ser um estilo de vida. Uma vida cigana. Menos
danosa à sociedade quando vivem de extrativismo natural. Muitas vezes, eles se tornam depredadores da
natureza ou mesmo se envolvem em muitas contravenções e crimes como forma de
subsistência.
Uma característica da vadiagem tem
sido a posse pelo vagabundo de equipamentos digitais. Notadamente dos
smartphones, com os quais a pessoa só se ocupa de futilidades e outras
informações absolutamente inúteis em sentido de cultura ou conhecimento que
acrescente um valor pessoal.
Já
o estado de ociosidade ou ócio
nada tem a ver com vagabundagem ou vadiagem. Trata-se de um momento ou
período
de completo descanso de um trabalho que exige grande esforço físico ou
mental
de longa duração. Referido estado de repouso ou quietude difere muito da
vadiagem. O ócio é tão importante que foi descrito e comentado por um
sujeito
grego de nome Platão, o filósofo da maiêutica (arte de partejar) e da
obra A República.
O ócio pode ser subdividido em ócio
de completo repouso, de quietude e silêncio ou em um estado de repouso físico,
mas de elevada atividade mental e intelectual. A esse estado Platão o denominou
de ócio criativo. Trata-se de um momento ou circunstância em que o indivíduo
através de uma profunda reflexão ou raciocínio lógico chega a alguns conceitos,
ideias e criações no mundo das artes e ciências. Quantas e quantas invenções e
descobertas algum artista, intelectual ou cientista chegaram a elas através de
momentos do chamado ócio criativo.
Há uma obra com esse título: ócio
criativo, do sociólogo italiano Domênico De Masi. Um pouco distinto do
pensamento platônico, mas que trata do mesmo tema. Curiosa é a origem da
palavra negócio. Vem de nec otium ( latim, não ócio) , não ao trabalho, nenhuma atividade.
Em suma fica aqui essa dissidência
entre esses dois estados, de uma coisa não ser a outra coisa. Vadiagem ou
vagabundagem é um estado de completo vazio e inutilidade. Já ociosidade, uma
oportunidade de muita produção e nascimento de ideias muito profícuas e grandes
resultados. Setembro/2017