quinta-feira, 28 de agosto de 2014

ACOMODAÇÃO E PASSIVIDADE




João Joaquim

 Estes dias eu debrucei-me a pensar sobre duas questões comportamentais dos brasileiros, que já concluo não ser uma exclusividade nossa, mas do gênero humano. Minhas reflexões foram sobre dois fenômenos que nos envolvem muito, a acomodação (ou adaptação) e a aceitação passiva do que o outro, um grupo, a sociedade ou até um estilo de vida nos obriga, ou imposições de um  governo corrupto, inepto e incompetente.
Eu pego aqui alguns exemplos ligados à saúde para consubstanciar esses dois comportamentos(nossa adaptação e passividade) frente a muitas coisas com as quais nos defrontamos. Numa primeira ilustração trago à tona uma epidemia que cada vez mais tem uma prevalência ameaçadora para a humanidade, para a saúde pública em geral. Expresso aqui a questão preocupante da obesidade. Preocupação, óbvio e desnecessário dizer, para a comunidade médica (endocrinologistas e obesólogos).  Porque  para os seus portadores ou doentes desta condição eles são  vitimados do  fenômeno da acomodação à doença. Uma explicação recorrente é  que o excesso de peso corporal ocorre de forma insidiosa e gradual, e por isso não dói e não desperta medo e pânico nas pessoas. É o que se denomina em medicina de doença silenciosa.
Fui buscar na literatura médica alguns trabalhos, artigos e opiniões a propósito do tema. O fenômeno da acomodação (adaptação) e passividade do sujeito (portador) desta e outra condição mórbida ou desfavorável. Não são tantos os ensaios e depoimentos médico-científicos.  Um pesquisador britânico, Phd em psicologia do comportamento e psicanalista, MD Irvind Destonet e cols fizeram um trabalho retrospectivo de pessoas com obesidade. Foram estudados 2 mil indivíduos com idades entre 30 e 60 anos. A medicina o que demonstra  de certo é que a causa do excesso de peso é multifatorial. O que ficou patente desse trabalho é que na obesidade de gravidade moderada a severa (pré-mórbida e mórbida) existe um componente genético bifatorial. Isto é; uma influencia genética orgânica essencial e uma influência genética comportamental.
No elemento genético essencial, se engloba “ aquelas pessoas que mesmo não exorbitando na ingestão alimentar portam mediadores químicos, reguladores e hormônios que conduzem ao ganho paulatino e crônico de peso”. A par dessa demanda genética “stricto sensu”, funciona o comportamento do aprendizado por condicionamento ao hábito familiar. Na verdade um misto de genética comportamental somada ao fator educacional. Noutros termos o indivíduo terá uma ingestão desequilibrada e excessiva de alimentos moldada, influenciada  pelo  meio onde ele é criado e educado desde o nascimento. A família enfim, como primeira e máxima educadora condicionará a criança à glutonaria, à busca incessante do alimento como uma forma de abrandar, de alívio de sintomas de ansiedade, das frustrações as mais corriqueiras da vida.  Somados os dois fatores, genético essencial e comportamental, a doença do excesso ponderal  será mais grave, como exemplo   os  tipos de obesidade mórbida de difícil reversão.
 Os fenômenos da acomodação e passividade estão presentes em muitas outras atitudes e comportamento das pessoas. Ainda dentro do contexto saúde temos vários fatores frente aos quais as pessoas nada fazem ainda que conscientes de sua nocividade, de suas ameaças. É o caso dos vícios do alcoolismo, do tabagismo e outras dependências químicas . Quando muito tomam algum expediente preventivo ou curativo em iminente ameaça da saúde ou da vida.
Para materializar esta forma de comportamento humano eu cito um caso real que ocorrera em meu  consultório como cardiologista.  Um jovem senhor  de 40 anos me procurou para um check-up preventivo porque perdera um parente com infarto do miocárdio e estava preocupado de ter algum risco. Tratava-se de pessoa sadia, sem nenhum sintoma, com o seguinte perfil ao fim da consulta e exames complementares. Sedentarismo, hipertensão arterial, sobrepeso de 15 kg, diabetes de 130 mg de glicose, triglicérides de 200 mg, colesterol de 250 mg, etilismo social, tabagismo de 10 cigarros/dia, e com estresse profissional. Trata-se, repito, de homem jovem e que não tinha nenhuma queixa clínica. Referia-se o paciente gozar de ótima saúde.
Diante de meu veredicto nosso consulente ficou estarrecido. Ele possuía 10 fatores de risco para doença cardiovascular ou morte súbita. Fatores adquiridos de longo prazo num claro fenômeno de acomodação e passividade. Atribuindo um ponto a cada fator são 10 pontos ou uma grande  de chance de algum evento cardio ou cérebro-vascular num período entre 10 e 20 anos.
O exposto demonstra o quanto nós humanos nos adaptamos e nos tornamos passivos frente a tantos fatores nocivos ou adversos à nossa saúde, ao nosso bem estar, à nossa felicidade, à nossa vida e não reagimos ou quando o fazemos já não há nada a fazer ou consertar. As sequelas das doenças ou a própria morte se encontram nessas considerações. O chamado estilo de vida insalubre, a exemplo do caso concreto ilustrativo do texto demonstra bem o quanto aos poucos e paulatinamente nós nos acomodamos e nos tornamos passivos a tantos fatores e imposições que nos molestam, que nos limitam direitos, liberdade e independência .
 No campo político por exemplo,  2014 é ano de eleições e podemos ajudar a fazer um país mais justo, mais honesto e bom para todos. No campo da saúde individual, um estilo de vida saudável  seria adotar uma  dieta hipocalórica mais vegetariana, atividade física regular, menos estresse, e uma vida sem ambições desmedidas e não  pautada excessivamente no materialismo. Afinal de contas, nem só de dinheiro, muitas joias, pompa e ouro se constrói a felicidade. Viver bem com a família e os amigos e cuidar da alma faz muito bem  e demonstra apego a uma felicidade mais duradoura e cheio de significados. 
            

 João Joaquim – médico – articulista DM joaomedicina.ufg@gmail.com


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