ACOMODAÇÃO E PASSIVIDADE
![]() | ||||
João Joaquim
Estes dias eu debrucei-me a pensar sobre duas
questões comportamentais dos brasileiros, que já concluo não ser uma
exclusividade nossa, mas do gênero humano. Minhas reflexões foram sobre dois
fenômenos que nos envolvem muito, a acomodação (ou adaptação) e a aceitação
passiva do que o outro, um grupo, a sociedade ou até um estilo de vida nos obriga,
ou imposições de um governo corrupto, inepto e incompetente.
Eu pego aqui alguns exemplos ligados à saúde para
consubstanciar esses dois comportamentos(nossa adaptação e passividade) frente
a muitas coisas com as quais nos defrontamos. Numa primeira ilustração trago à
tona uma epidemia que cada vez mais tem uma prevalência ameaçadora para a
humanidade, para a saúde pública em geral. Expresso aqui a questão preocupante
da obesidade. Preocupação, óbvio e desnecessário dizer, para a comunidade
médica (endocrinologistas e obesólogos). Porque para os seus portadores ou
doentes desta condição eles são vitimados do fenômeno da acomodação
à doença. Uma explicação recorrente é que
o excesso de peso corporal ocorre de forma insidiosa e gradual, e por isso não
dói e não desperta medo e pânico nas pessoas. É o que se denomina em medicina
de doença silenciosa.
Fui buscar na literatura médica alguns trabalhos,
artigos e opiniões a propósito do tema. O fenômeno da acomodação (adaptação) e
passividade do sujeito (portador) desta e outra condição mórbida ou
desfavorável. Não são tantos os ensaios e depoimentos médico-científicos.
Um pesquisador britânico, Phd em psicologia do comportamento e
psicanalista, MD Irvind Destonet e cols fizeram um trabalho retrospectivo de
pessoas com obesidade. Foram estudados 2 mil indivíduos com idades entre 30 e
60 anos. A medicina o que demonstra de certo é que a causa do excesso de
peso é multifatorial. O que ficou patente desse trabalho é que na obesidade de
gravidade moderada a severa (pré-mórbida e mórbida) existe um componente
genético bifatorial. Isto é; uma influencia genética orgânica essencial e uma
influência genética comportamental.
No elemento genético essencial, se engloba “
aquelas pessoas que mesmo não exorbitando na ingestão alimentar portam
mediadores químicos, reguladores e hormônios que conduzem ao ganho paulatino e
crônico de peso”. A par dessa demanda genética “stricto sensu”, funciona o
comportamento do aprendizado por condicionamento ao hábito familiar. Na verdade
um misto de genética comportamental somada ao fator educacional. Noutros termos
o indivíduo terá uma ingestão desequilibrada e excessiva de alimentos moldada,
influenciada pelo meio onde ele é criado e educado desde o
nascimento. A família enfim, como primeira e máxima educadora condicionará a
criança à glutonaria, à busca incessante do alimento como uma forma de
abrandar, de alívio de sintomas de ansiedade, das frustrações as mais
corriqueiras da vida. Somados os dois fatores, genético essencial e
comportamental, a doença do excesso ponderal será mais grave, como
exemplo os tipos de obesidade mórbida de difícil reversão.
Os fenômenos da acomodação e passividade estão
presentes em muitas outras atitudes e comportamento das pessoas. Ainda dentro
do contexto saúde temos vários fatores frente aos quais as pessoas nada fazem
ainda que conscientes de sua nocividade, de suas ameaças. É o caso dos vícios
do alcoolismo, do tabagismo e outras dependências químicas . Quando muito tomam
algum expediente preventivo ou curativo em iminente ameaça da saúde ou da vida.
Para materializar esta forma de comportamento
humano eu cito um caso real que ocorrera em meu consultório como cardiologista. Um jovem senhor de 40 anos me procurou
para um check-up preventivo porque perdera um parente com infarto do miocárdio
e estava preocupado de ter algum risco. Tratava-se de pessoa sadia, sem nenhum
sintoma, com o seguinte perfil ao fim da consulta e exames complementares.
Sedentarismo, hipertensão arterial, sobrepeso de 15 kg, diabetes de 130 mg de
glicose, triglicérides de 200 mg, colesterol de 250 mg, etilismo social,
tabagismo de 10 cigarros/dia, e com estresse profissional. Trata-se, repito, de
homem jovem e que não tinha nenhuma queixa clínica. Referia-se o paciente gozar
de ótima saúde.
Diante de meu veredicto nosso consulente ficou
estarrecido. Ele possuía 10 fatores de risco para doença cardiovascular ou
morte súbita. Fatores adquiridos de longo prazo num claro fenômeno de
acomodação e passividade. Atribuindo um ponto a cada fator são 10 pontos ou uma
grande de chance de algum evento cardio ou cérebro-vascular num período
entre 10 e 20 anos.
O exposto demonstra o quanto nós humanos nos adaptamos
e nos tornamos passivos frente a tantos fatores nocivos ou adversos à nossa
saúde, ao nosso bem estar, à nossa felicidade, à nossa vida e não reagimos ou
quando o fazemos já não há nada a fazer ou consertar. As sequelas das doenças
ou a própria morte se encontram nessas considerações. O chamado estilo de vida
insalubre, a exemplo do caso concreto ilustrativo do texto demonstra bem o
quanto aos poucos e paulatinamente nós nos acomodamos e nos tornamos passivos a
tantos fatores e imposições que nos molestam, que nos limitam direitos,
liberdade e independência .
No campo
político por exemplo, 2014 é ano de eleições e podemos ajudar a fazer um
país mais justo, mais honesto e bom para todos. No campo da saúde individual,
um estilo de vida saudável seria adotar
uma dieta hipocalórica mais vegetariana,
atividade física regular, menos estresse, e uma vida sem ambições desmedidas e não
pautada excessivamente no materialismo.
Afinal de contas, nem só de dinheiro, muitas joias, pompa e ouro se constrói a
felicidade. Viver bem com a família e os amigos e cuidar da alma faz muito bem e demonstra apego a uma felicidade mais duradoura e cheio de
significados.
João Joaquim – médico – articulista DM joaomedicina.ufg@gmail.com