sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

REJEIÇÃO

 

ANIMAL DE REJEIÇÃO


Percorro e passeio no Bosque dos Buritis há mais de 20 anos. Trata-se de um "cartão postal" na região central - Setor Oeste de Goiânia. Representa um parque natural com fauna e flora nativas, pássaros, peixes e outros habitantes aquáticos. No parque ficam também um museu, Centro Cultural, salões de exposição de obras artísticas, cursos de artes em geral e até um orquidário com espécies raras dessa planta.

A qualquer hora do dia que se vai a essa reserva natural encontramos com vários grupos de pessoas, nas suas caminhadas, nos seus momentos de lazer e ócio, atividades físicas ao ar livre. E uma constância: a presença de pessoas com os seus animais de estimação (pets). De estimação porque de fato são animais bem tratados, com direito a todos os recursos de bem-estar, de saúde, de proteção, dieta balanceada, manicure ou salão de beleza, cartão atualizado de vacinação e médico veterinário para uma eventual disenteria e outro achaque qualquer. Ou seja, os humanos aqui estão cuidando rigorosamente do bem estar, da segurança e direito dos animais. Existe, à semelhança dos humanos, o Direito dos Animais. Há gente que não sabe.

Falei dos animais de estimação, falo agora das pessoas carentes de estimação. Nesse mesmo Bosque dos Buritis, existe um outro animal da espécie Homo Sapiens. Um sujeito, ainda jovem, morador sedentário do parque. Ali vive, ali dorme, ali sobrevive, ali subvive, ali como vegeta, na mais vil e degradante condição de indigência e de higiene. A qualquer hora do dia e também da noite que adentre ao parque lá se depara com esse sedentário interno do parque, porque de lá não sai.  Ele se encontra pacífico, resignado, absolutamente submisso a essa humilhante e abandonada condição. Ora sentado, ora deitado, vígil ou dormindo.

   Esse maior(“de maior”) abandonado (pela família, pelo Estado, pela Sociedade) e habitante do Bosque dos Buritis subvive ali há cerca de 10 anos. Na condição a mais precária e repugnante de higiene e de saúde. Ele pouco fala, tem comunicação precária. Teria ele família? Teria ele alguma doença psiquiátrica? Não importa qual dessas seja o motivo de seu abandono. Abandonado, primeiro pelo Estado. Prefeitura, Estado. Segundo, abandonado pela sociedade, por ONGs humanitárias. Rejeitado, repugnado e invisível por todos os transeuntes, por passantes e donos dos tão amados animais de estimação.

A pergunta que fica é esta: se cuidamos tanto, se amamos tanto os animais de outro espécie, por que abandonamos outros indivíduos animais de nossa própria espécie? Pergunta dirigida às autoridades e aos criadores e amantes de seus pets de estimação.

O que tanto impressiona nessa ignóbil figura é justamente esta. A sociedade, o poder constituído, o Estado enfim, responsável por administrar bens, impostos, dinheiro cobrado dos outros. Não é só o Estado o responsável. Deveria causar algumas reflexões nas pessoas que ali trilham, desfrutam e gozam dessa beleza tão natural, pessoas que dão dignidade de humanos aos seus intitulados bichos de estimação. Todos sorridentes, tomando suas águas de coco, os seus deliciosos sorvetes, os seus picolés. Todas essas gentes, rigorosamente felizes, mas que portam uma absoluta indiferença, frieza, rejeição e desprezo a um outro homem como se ele fosse um rejeito, um dejeto, um inumano, um molambo e espectro de gente. Todos zelosos com seus pets de estimação.

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