CHUVAS DE MINHA INFÂNCIA
AS CHUVAS DE MINHA INFANCIA
João Joaquim
Escrevo esta crônica sob o mavioso som de uma chuva fina
que cai desde a madrugada. Chuva devolve-me a infância! Nasci e cresci em
rincões das Minas Gerais. Costumo fazer um chiste do nome de minha
cidade natal. Iapu. Lembra o que? Nome de imposto, ipi , Iptu. Fazendo um
anagrama perde por uma letra. Mas, para quem não conhece, não pensem que
morar em Iapu é uma imposição. Trata-se de uma cidade pequena, cerca de 10.000
habitantes, mas muito aprazível de se viver. Fica a 250 km de Belo Horizonte e
a 30 km de Ipatinga.
Chuva e minha infância. Lembra-me bem; quando criança
sempre que chovia costumava sair de casa após a chuva. Normalmente quando era
torrencial ou a cântaros. Chover a cântaros (potes, moringas) é expressão
idiomática comum de MG que se abrasileirou.
Por que do atrativo de sair depois de uma tromba d’agua ou
chuva a cântaros? Além da formação de imensas lagoas e águas correntes,
surgem “erupções” de águas da terra. São espécies de arroios temporários.
Lembra-me muito bem que isto era encontradiço em terras de cupins e
formigueiros. O misterioso é que esses insetos nem se quer eram removidos das
locas e túneis subterrâneos. Passada a torrente de água lá estavam eles firmes
e mais vigorosos a picotar as plantas. As formigas saúvas são pragas de difícil
combate. Houve um tempo , idos de 1970 ,em que se dizia : ou o Brasil
acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil. As saúvas mais nocivas ao
Brasil de hoje estão entocadas em Brasília, bem ali na praça dos três poderes.
Penso que o presságio daquela época era para estas formigas entocadas no
distrito federal.
O risco de se brincar nessas águas da chuvarada eram os
animais peçonhentos. Cobras, aranhas e escorpiões. Os bichos são desentocados e
se tornam mais agressivos. O perigo era iminente. Recordo-me de tê-los
visto muitas vezes. Mas, velhaco e sabedor dos ditos cujos, nunca fui picado
pelos infelizes. Nessas brincadeiras dos aguaceiros das chuvas de roça havia
outro risco já calculado. Eram as broncas ou descomposturas recebidas dos pais,
quando não algumas lambadas de cinto ou de vara de marmelo. Mas, infância e
natureza em festa eram tudo isto. Toda aventura temerária valia a pena.
Uma outra lembrança que as chuvas me trazem eram as casas
da época. Eram construções com o pé-direito muito alto e sem forro (gesso). As
noites de chuva encerravam uma harmonia muito acolhedora e agradável para se
dormir. O doce murmúrio dos filetes da chuva nos telhados com o escoar das
águas no entorno das casas criavam um clima ímpar de muita bonança e paz. Algo
só visto com toda magnitude no ambiente rural.
Hoje ,com a maciça urbanização das pessoas, a juventude e
as crianças perderam a noção desse encanto bucólico pela natureza selvagem,
aquela onde temos selvas de puro verde em vez alamedas de concreto
e pedras que são as cidades. São legados do progresso e da tecnologia. Tenho
por hábito repetir que vejo cada chuva como um sorriso da natureza. São gotas e
torrentes de alegria, quando toda vida se renova e se remoça. Não compreendo
quando vejo as pessoas se irritarem em dias chuvosos. Basta que essas pessoas
de almas empedernidas e pouco antenadas com a natureza se lembrem que toda
forma de vida, inclusive a humana, se sustenta graças às dádivas das chuvas.
Por tudo isso que tenho a estação das águas como a mais
bela. Toda a terra molhada se torna uma alfombra de verde, rios e mananciais se
enchem de águas do céus. Os cardumes e passarada povoam mais a natureza. Todos
os seres se confraternizam num uníssono maravilhoso.
Assim , que me perdoem os não apaixonados pelos dias
chuvosos. Eu não me canso de voltar aos meus dias de menino em tempos de chuva.
Chuva me lembra vida, me lembra nascimento, me lembra flor, me lembra beleza,
me lembra a mais generosa aliança do azul dos céus com os verdes a brotar na
terra. Benditas as chuvas que caem das nuvens e me fazem de novo uma saltitante
e feliz criança. Que venham mais chuvas, Amém!
João Joaquim médico- cronista DM joaomedicina.ufg@gmail.com