formiginhas-doceiras...
CORA CORALINA E AS
FORMIGHINHAS-DOCEIRAS DE VILA BOA
João Joaquim
O dia foi 31 de dezembro de 2013. Eu me
hospedava no hotel Vila Boa, na cidade de Goiás. Aqui pelos rincões de Goiás o
povo chama a antiga capital do estado de Goiás Velho. Faz sentido porque
ela foi fundada há cerca de 300 anos. Terra da doceira mais famosa e
poeta (ou poetisa) Cora Coralina. Eu tive o privilégio de conhecer Cora em
vida, em 1982. Comprei-lhe um livro de poesias e como agrado ela me agraciou
com melífluos doces de sua culinária. Este exórdio foi apenas para situar os
meus leitores de data e localização do que vos escrevo.
Ao acomodar as malas no apartamento( Hotel Vila
Boa), cerca de 17 horas, fui para a sacada do quarto contemplar uma bela
paisagem da cidade. Aos fundos do hotel uma montanha verdejante de cerca de um
km de subida, que circunda toda minha visão lateral dos dois lados. O sol ainda
era brilhante, mas com nuvens cinzentas com prenúncio de chuvas.
Em toda essa paisagem magnífica, com um verde
abacate daquela montanha, os raios crepusculares do sol eram muito belos,
nimbos se formavam no céu. Diante desse enorme cenário natural, um
espetáculo minúsculo prendeu-me a atenção. Não, não! Eu faço um reparo.
Na verdade eu e minha filha tínhamos um cenário microscópico, um
microcosmo da natureza. Esse evento começou a se passar a um
palmo de nossos olhos. E esse ínfimo dos mundos prendeu-nos sofregamente a atenção
e nossa admiração. Não eram fenômenos físicos, químicos, meteorológicos. Não!
Ali, bem à frente de nossos olhos, de nosso nariz desfilava a vida. A vida no
seu máximo afã, na sua produção incessante e acelerada. Aquelas microformigas
cruzavam de forma frenética a soleira de nossa janela. Todas pareciam
participar de uma olimpíada, de uma corrida olímpica. Mas não, com o passar dos
minutos fomos percebendo que aquela era uma atividade habitual delas. Elas
carregavam provisões de tudo para suas colônias. Formigas e abelhas nunca
mudaram seu sistema de governo. Vivem em colônias, e são governadas por uma
rainha. Uma fêminocracia. Sempre foi assim desde quando são formigas. Trata-se
de uma forma de organização muito eficiente, sem corrupção.
Começamos então uma reflexão. Uma análise física e
metafísica. Cada formiguinha devia pesar uma fração de grama. Talvez uns
50 mg, se muito. Um detalhe curioso era a velocidade dessas formiguinhas
. Dada a pequenez daqueles insetinhos, eles eram muito velozes. Quantos
passos elas tinham que dar por minuto para alcançar aquela velocidade? Não,
fica difícil mensurar com os olhos. Precisaríamos de um nanovelocímetro. Mas,
de novo o tamanho. Aqui entramos no campo da nanometria, quando pensamos
nos órgãos, pernas, aparelho digestivo e circulação daqueles
himenópteros tão pequenos .
Outros detalhes não menos relevantes me intrigavam
naquele vai-e-vem das formiguinhas. Elas colidiam umas com as outras em seus
trajetos. Eram trombadas, súbitas, sem nenhum dano, um “pit stop” rápido,
e continuavam na mesma direção. Outro detalhe curioso: o que elas se
comunicavam com as outras nas súbitas paradinhas? O que elas levavam no
aparelho bucal? Seriam microalimentos para suas crias ou para a rainha imperial ?
Eis que de repente começa o tempo a se fechar.
Repentina mudança de temperatura. Pingos fortes na passarela daquelas
formiguinhas. Imagina um pingo de chuva sobre uma criaturinha daquele porte.
Tsunami para nós.
Todas elas, de pronto, se recolheram às suas tocas
do hotel. Era o começo de outro espalhafatoso espetáculo vindo dos céus.
Reboliço da natureza, vento e chuva. Era o fim, ou a cessação provisória de um
espetáculo da vida bem em frente de frente de meus olhos. A correição das formiguinhas-
doceiras no Hotel Vila Boa, na cidade de
Goiás , terra da doceira e escritora goiana mais famosa, a Cora Coralina.
Cidade de Goiás GO - 31.12.2013