O CÃO E A LINHA DA VIDA .
João Joaquim
O encontro foi fortuito,
inopinado. Eu diria melhor, que foi acidental, considerando que eu me
encontrava naquela esquina por causa de um incidente ortopédico. Explico-me
mais, eu me achava naquele encontro de duas ruas fazendo alongamentos e
aquecimento antes de minha corrida matinal. O meu hábito é levantar, fazer um
desjejum e antes de rumar para o trabalho fazer minha atividade física . Meus alongamentos e aquecimento incluem músculos da
cintura escapular, isto é; dos ombros. Em medicina temos duas, a cintura do
cinto e a cintura de pendurar bolsas que abrange os ombros.
Há três anos que padeço de uma
inflamação dos ombros. Uma tal de capsulite adesiva. O adjetivo já diz tudo, ela é
adesista, nos pega e não desiste fácil. Haja fisioterapia e manipulação anatômica
para recuperação, que nunca é total, uma sequelazinha é garantida.
O encontro fortuito e inopinado
foi que nesse entremeio de minha autofisioterapia surgiram uma senhora e um
cão. O cachorrinho, claro ,preso à coleira e puxado pela proprietária.
Engatamos uma conversa motivada pelo bichinho.
-Todos os dias a sra. passeia com
o cão?
- Quase todos os dias! Só não
saio quando ele tem que tomar os remédios.
- Remédios? Mas, para quê?
- Ele teve câncer de garganta e
faz quimioterapia.
- Câncer de garganta. - Ah! Pode acontecer, o bicho
parece gente. De tudo ele pode adoecer. De infarto, de tumor, de reumatismo, de
diabetes. Afinal, até um ministro já cravou em alto e bom som, cachorro também é
gente ( Rogério Magri, ex ministro do trabalho do Brasil).
Neste nosso colóquio o bichinho
fez uma pose de micção para marcar o território e latiu. O latido era bem
desafinado de um som rascante e pigarroso. Fiz alguns estalidos com os dedos para
conquistar a amizade do animal, ao que prontamente ele saltitou e de prumo
colocou-me as duas patas. A voz rouca denunciava sério comprometimento de
laringe e pregas vocálicas. Laringotraqueite estridulosa. O cão era uma
simpatia em cachorro. Um cruzamento de basset com vira-lata, de porte médio, de
cor tirante a cinza- gris, com pelagem
muito trófica e vistosa . Tornei-me para
aquela senhora e indaguei:
- Quantos anos tem o seu
amiguinho?
- Doze anos.
- Respondi que seria uma pessoa
de 60. Josefina, a senhora do cão fez um merencório silêncio.
Havia uma crispação em seu rosto
que denunciava tristeza e pressentimento ruim pela saúde de seu animal.
- Não fique assim dona Josefina,
explico-lhe uma coisa de que não sabe. O bicho é irracional. Ele não tem a
razão e a lucidez que temos sobre as coisas. Para ele toda doença é igual. Ele
não tem a noção da gravidade. Bem pode ver pela alegria que ele mantém de
sempre. Josefina enxuga a face dos pingos brotados dos olhos e se foi num
caminhar reflexivo.
A vida é isso. Doenças vêm para
todos. Não importa a carga de pecados e outras culpas. Afinal que culpa ou
pecado tem um dócil e amigo cão para ser acometido de tão limitante doença. É o
risco dos vivos; para adoecer basta estar com saúde. E nas palavras de João
Guimarães Rosa viver é perigoso. A vida de cada ser vivente se guia por uma
linha. São duas pontas, uma de entrada ,
o nascimento, outra de saída e última a morte. Nascimento , vida e morte se
equilibram neste fio. Um revés qualquer, uma doença pode romper este fio e
encurtar a linha da existência .
João Joaquim médico- cronista DM joaomedicina.ufg@gmail.com
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