ÉTICA x tragédia
A TRAGÉDIA E NOSSOS SENTIMENTOS ÉTICOS
João Joaquim
Nosso junho/2015 terminou com uma daquelas
semanas de surtos. O que é um surto? É uma manifestação súbita de qualquer
coisa, um surgimento repentino e brusco de um fato inusitado, algo
anormal; ou também de uma atitude ou comportamento que deveria ser uma
constante ou característica de uma sociedade. O surto dessa última semana de
junho foi de uma minitempestade de ética. Comportamento ou inclinação
que deveria ser permanente na vida das pessoas.
Aliás, é oportuno repisar essa tendência de nosso
Brasil. Mesmo quando o Brasil era apenas pau-brasil parece que já
funcionava assim. Aí foi só Pedro Álvares Cabral e Pero Vaz de Caminha se
aportarem por aqui que as coisas desandaram de vez. E bem o disse também o
Jesuíta Padre Antonio Vieira( idos de 1600). O surto de ética, de decência, de
solidariedade, de respeito à dor alheia, dessa última semana de junho/2015,
veio com a morte de alguém e as imagens do cadáver destroçado veiculadas pelas
redes anti-sociais ( que a sociedade chama de sociais). E aqui não importa a
que classe pertença esse falecido, que atributos tenham esse personagem e sua
família. Não deveria fazer diferença se ele é famoso e midiático ou importante.
Ética e dor alheia, o luto, a luta de cada um devem merecer a mesma acolhida, a
mesma consideração de todos nós e dos poderes constituídos; do Estado, das
leis, da justiça e da imprensa.
Para bem situar a referência acima expressa, eu não
conhecia o sertanejo Cristiano Araújo. Ele e sua namorada morreram em um grave
acidente de carro (capotagem) em uma rodovia (Br 153) próxima a Goiânia(24.06.15).
Funcionários de uma clínica que prepararam os cadáveres postaram fotos na
internet dos corpos com graves mutilações decorrentes do sinistro. Como
corolário pipocaram várias mensagens e matérias jornalísticas de protestos e
condenação pela divulgação das fotos e vídeos. Nada mais correto, honesto e
justo tais sentimentos de repulsa e de indignação contra a divulgação e repique
de cenas tão fúnebres e dolorosas para amigos e familiares das vítimas. De
imediato, ao ler tais notícias eu me neguei a ver tais cenas, condenei e as
repudio de forma contundente. Eu nunca usei e tão cedo quero me aderir ao tal
de whats-App.
Eu, por índole e formação , frente a morte de
qualquer semelhante e irmão lembram-me as palavras do poeta e escritor
britânico John Donne. “ A morte de qualquer pessoa me diminui
porque estou envolto no contexto da humanidade. Portanto, não pergunte por quem
os sinos tocam, eles dobram por você”.
O curioso e interessante é o quanto de outras
lições podemos deduzir do fato aqui motivador desta digressão crítica. A
primeira delas, dentro do princípio do surto das coisas. Nossa justiça, as
autoridades, muitas vezes cumprem de forma célere e a contento o seu múnus
público mediante rumoroso clamor popular ou incisivos pedidos de socorro. Isto
deveria ser uma regra comezinha e rotineira de juízes com suas liminares, das
polícias em instaurar inquérito; e não apenas nas tragédias de pessoas ricas,
famosas e de grande visibilidade midiática.
O segundo aprendizado envolve uma lição e
demonstração de hipocrisia. Alguns canais de televisão que condenaram a
divulgação das imagens da tragédia do casal morto são as mesmas mídias de TV
que exibem os reality shows com enredos pornô-eróticos ou então os programas
policiais diários com cenas e fotos de crimes os mais perversos em tempo
real. Nesses programas, exibidos à luz do dia, nas horas de lazer de nossas
crianças, são mostradas matérias com o que há de mais vil, sórdido e chocante
ao coração e sentimentos de bondade e de humanidade das pessoas. Seria o
equivalente àquele conselho: façam o que eu louvo mas não o que eu exibo e
faço. A estratégia aqui é ter audiência . E ela se dá pelos índices de nossa
cultura, nossa educação.
Toda essa vilania e baixaria se dão em nome de uma
tal de liberdade de imprensa e expressão. Na verdade temos aqui uma
libertinagem de imprensa e comunicação tal o teor e natureza desse jornalismo
de baixo calão , que aliás, tem um público seleto e cativo, os mesmos usuários
das maledicentes e perniciosas mídias virtuais.
O Brasil que vive de tantos surtos e epidemias ,
deveria sofrer também de um surto de qualidade. Um outro surto que vez e outra
acomete nossa sociedade é a consciência da podridão , da fetidez, da
hediondez que reina na Internet e suas mídias com seus múltiplos aplicativos de
comunicação a exemplo das redes sociais . Para o afloramento dessa
consciência ética é sempre necessária
alguma tragédia , algum crime hediondo de pessoa pública e famosa etc. Os
tão propalados e massivos facebook e whats-App têm sido colocados a
serviços de um cardápio infinito de futilidades, de baixaria, de mexerico, de
fofocas e muitas outras inutilidades e delitos de pessoas parvas, cretinas,
idiotas , insensatas, desocupadas e
criminosas.
Está faltando muitos outros surtos
construtivos em nossa sociedade. Cada cidadão , cada classe de
profissionais e de gente têm ,sim, uma Ética. Bandidos e criminosos têm a sua ética
. Os regimes autoritários até, têm a sua ética. Cada um tem a sua visão do que
é certo e errado para ele. A boa e verdadeira ética é aquela que vem do DNA da
família de boa ética , ela é hereditária. Eu posso ser uma pessoa cidadã, que
sabe viver em sociedade e inclinado ao bem e à virtude ou ao mal e aos vícios.
Ética se aprende, sim, de berço. Boa ou má vai depender dos valores que são
impingidos à criança desde a chupeta. Um vez adulto mal educado e mal formado não há código profissional , civil ou penal que dê
jeito. Que triste ciclo estamos vivendo
. Junho/15.
João Joaquim de Oliveira médico –
articulista do DM joaomedicina.ufg@gmail.com