MORTE E MORRER
MORTE E MEDO
DE MORRER
João Joaquim
Eu
começo esta crônica tomando de empréstimo uma citação do grande escritor, cronista
e humorista Luiz Fernando Veríssimo. Numa entrevista perguntaram-lhe sobre a
morte. Ao que de bate-pronto ele retorquiu “ É a última coisa que quero para
mim”. Quanto humor sadio, severidade e realismo nesta frase. E aí então, sem
muita Ciência, cientificismo, religião e pieguismo eu divago um pouco sobre a
ideia que nós, os ocidentais, temos sobre essa tal das indesejadas e indigitada
das gentes( parodiando Manoel Bandeira, bela perífrase ).
É
interessante pontuar , até onde meu intelecto e meu saber alcançam, que o
conceito de morte e existência pós-morte varia de acordo com a cultura e as
crenças das pessoas. Para ilustrar essa visão diferenciada basta ler alguns
princípios e dogmas do Hinduísmo, do Xintoísmo(Japão), do Islamismo. Quando
citamos islamismo, não se pode confundir com o fundamentalismo (Isis,
Boko-Haram etc). Porque o sistema e crença desses terroristas são uma
abominação e absoluta degeneração dos escritos sérios e sagrados do
corão.
Quando se
fala de morte para os seguidores e praticantes do cristianismo também fica de
fácil entendimento. Afinal o seu protagonista maior, Jesus de Nazaré,
personifica bem o que é o ciclo nascimento-vida-morte-vida pós-morte.
Abstraindo
um pouco da visão e da era cristã eu gosto muito, tenho mesmo uma grande
admiração por algumas correntes filosóficas sobre a bipolaridade de nossa
existência vida e morte. Em curtas referências e sem divagações sistemáticas eu
citaria por exemplo dois filósofos gregos: Sócrates e Platão, século III e IV
a.C. É admirável como a cultura e filosofia desses baluartes da sabedoria grega
(ocidental) se coadunam com os princípios e preceitos cristãos do novo
testamento. São notáveis e encorajadoras, para os cristãos as convicções e
crenças de Sócrates sobre imortalidade da alma. Uma demonstração de sua
inabalável fé na imortalidade da alma foi quando condenado (por suas
convicções) ao suicídio pela ingestão de cicuta (planta venenosa). Conta-se que
no momento de sua execução ele debochou e ironizou dos pretores (juízes) que o
condenaram e de seus carrascos. Sócrates afirmou que os seus algozes e inimigos
estavam também condenados , não à morte ,mas ao ostracismo e ao
esquecimento, enquanto ele (Sócrates) viveria para sempre. A História revela
que grande filósofo e sábio que foi, ele tinha absoluta razão. Sócrates(autor
da lapidar frase -só sei que nada sei-) , sem dúvida garantiu seu assento em
definitivo no panteão dos gênios e avatares, bem como ingresso ao
rol dos bem aventurados no reino dos céus. Viva o Sócrates. Ninguém
se lembra de seus algozes.
Platão
, como se sabe, foi discípulo e grande responsável em perpetuar os ensinamentos
de Sócrates. Tornando aqui para nosso mundo menor, cristão e brasileiro. E
mesmo para o dos não cristãos e ateus. Eu penso que nós humanos, somos a
única espécie que além de inteligente e racional temos consciência e certeza de
nossa mortalidade, de que somos nascidos e mortais( memento mori) .
Outros animais têm medo da morte apenas quando ameaçados, mas não vivenciam a
condição de mortais. Existe até um princípio existencial de que o homem
(gênero) vive cada dia como se fosse o último, os animais irracionais vivem
cada dia como se fosse o único, nem o primeiro, nem o último, mas um contínuo.
Uma outra característica muito bacana e saudável das pessoas é o fato de
elas viver como se fossem eternas. Olha quanta beleza reside nessa
habitualidade de levar a vida como se fôssemos eternos, sem começo, meio e fim.
Imagina o quanto de angústia isso geraria, a todo instante eu me lembrar que um
dia vou me apagar. Nós só introjetamos a ideia e sofrimento da morte quando
somos ameaçados. Na vigência de uma doença mais grave, de uma ameaça física,
frente a um perigo iminente. Basta lembrar das fobias de trânsito, de avião, de
altura etc. Nessas horas, na verdade estamos expressando nossa fobia da morte.
Uma última
questão que trago à reflexão se refere ao luto vivido pelas pessoas que
perderam um amigo ou parente muito querido (filho, pai, irmão). Não é incomum
depararmos com aqueles(as) que após a morte de um familiar vivem o resto da
vida em profunda depressão e eternos lamentos pela perda desse parente.
O que eu
como médico, filho e pai de dois filhos posso falar para essas pessoas em
eterna luta no luto por algum parente? Eu que também já passei pelo luto de
parentes próximos . Viver a vida da forma a mais bela, a mais pura e ética é o
caminho mais seguro de uma vida feliz aqui e depois do aqui.
A morte é um
fenômeno indissociável da vida. Diante da perda de alguma pessoa que nos
era querida e amável nos resta, de fato, lamentar o seu fim, a sua extinção de
nosso convívio. Todavia, que essa angústia, esse luto não perdure por meses ou
anos a fio. Frente à morte de alguém de nosso círculo de amizade ou de
sangue o que devo fazer é aproveitar a memória, os legados que essa pessoa
deixou para mim, para a sua família e para a minha família, quando não
até para a comunidade onde ela vivia e para o mundo. Aqui, sim, eu posso então
dar significado não só à perda dessa pessoa querida, afetuosa, amável e útil
aos que ficam , mas sobretudo às suas contribuições deixadas em vida.