A MORTE DE UM TIME
O QUE NOS ENSINA A MORTE DE UMA EQUIPE DE FUTEBOL ?
João Joaquim
Movido e impelido pelo sinistro da equipe de futebol da
chapecoense, nas cercanias do aeroporto de Medellín, com o avião de Lamia eu
pus-me a algumas reflexões. O avião, por falta de combustível, caiu nas
montanhas; foram 71 mortos, 6 sobreviventes. Dos mortos, 19 eram jogadores da
chape.
Qual o valor de qualquer esporte ? A expressão mais
elementar que os homens deveriam ter do esporte, o futebol como modelo, é ser
essa atividade voltada no sentido de educar o indivíduo, tornando-o um cidadão
melhor do corpo e da alma e não um indivíduo melhor em ganhos salariais
vultosos e contratos milionários. O que se vê cobiçado entre os atletas e
cartolas é isso. Lucros, lucros e acúmulo de dinheiro. Para tanto entra em
campo e nos bastidores o princípio do vale tudo ,como se os gramados fossem um
octógono do dantesco e sangrento UFC, nossas lutas do coliseu moderno.
Ao que temos assistido do futebol é isto. Todas as partidos
parecem rinhas de galo ou touradas. Tanto entre os competidores como nas
torcidas. Tudo lembra praças de uma guerra fraticida. Nesse macabro cenário
entra um terceiro componente: o papel das redes de televisão que lucram também
milhões (único interesse) nesse esporte que se tornou tão popular. A rede
globo, por exemplo se tornou a única transmissora de jogos das séries A e B e
da seleção brasileira.
As cenas de hostilização, de rejeição, de discriminação, de
guerra mesmo, começam entre os profissionais dessa emissora para os quais valem
todas as atitudes e agressões físicas e morais a atletas de uma seleção da
Argentina pelos simples e único fato de eles jogarem tão bem ou melhor do que
os craques brasileiros.
O que resulta do exposto em uma palavra é muita negatividade
de um time contra o outro, notadamente se são duas equipes de duas
nacionalidades. Excessos de energias e ânimos negativos trazem a ideia
diabólica do caos, de destruição, de morte. Exatamente contrário ao espírito
originário da ginástica, da educação física( palavras de Platão) e modernamente
do esporte, como o futebol. O que deveria prevalecer numa competição qualquer?
Ora pois, basta entender que se uma equipe A (de Argentina) compete com a
B (de Brasil) não significa uma disputa fraticida, de aniquilamento ou menos
valia do perdedor. Se ganhou o B ou A é porque naquele momento o vencedor se
preparou melhor e fez jus à vitória, como aliás, vale para toda atividade na
vida. Simples assim!
Movidos pela ganância de audiência e por lucros e mais lucros
entram em cena os cartolas, os patrocinadores. A vitória e títulos são tudo que
lhes interessa. Daí surgem todos os expedientes ilícitos, imorais, criminosas ,
de suborno de árbitros em busca do fim, lucros e imagem de melhores do mundo
e superioridade. Pensemos juntos : uma atividade onde tem ex-presidentes
presos e investigados; o atual ,fugitivo do FBI; cartolas brasileiros
investigados acusados de roubos e outras traficâncias! Que tipo de
energia essa atividade acumula e atrai para si? Será que esse meio putrefato,
corrupto e corruptível atrai bons espíritos e a presença de Deus ? É
difícil imaginar tal hipótese.
Uma outra reflexão que trago à baila refere-se à questão das
reações das pessoas frente à morte. Não parece, mas tem relação com o esporte.
Todos vivemos uma vida de imortalidade. Viver como se imortais fôssemos faz
parte de nossa vocação para a felicidade. Trata-se de um instinto de
sobrevivência.
Essa sensação de vida eterna é até saudável e
proveitosa. Nós só tomamos conhecimento da finitude da vida frente à ameaça da
ruptura desse limite, dessa passagem e interface. A doença, ou um acidente
representa essa ameaça. O fio pode se romper, a armadura pode-se quebrar. Daí
emergem a consciência, a fobia e a lembrança de que estamos em risco. As
mortes nos esportes não são incomuns. Alguns trazem mais risco. Formula 1,
motociclismo, pugilismo.
Por que a morte súbita ou acidental de um atleta causa mais
impacto e comoção? Primeiro porque ele se torna um personagem admirável
com muitos fãs. Segundo, porque ele encarna uma figura meio mítica e
invulnerável. A morte de uma criança, de um jovem, de um atleta é sempre mais
dolorida e capaz de muita tristeza e inconformismo? Por que esse atleta ?
Justamente ele que mostrava ter mais vida e resistência a esse evento tão
difícil de suportar.
Por último falo de amor e paixão. E tais sentimentos têm
liames com o esporte. Esporte e saúde, esporte e vida, esporte e morte,
esporte e paixão. O que têm a ver essas condições, atividades e estados
sentimentais?
Se buscarmos em todas as fontes de sabedoria estão lá os
desígnios e origens por exemplo do amor. Seja Eros, o deus grego do amor;
ou o cupido romano. Eles tinham a função de uma força cósmica de
fecundação e multiplicação. Assim também é tratado a amor em muitos ramos da
filosofia e mesmo entre as religiões. A construção e mantença da vida se faz
com amor. Assim também o é com outros laços que se estabelecem. Daí o amor à
própria vida, a natureza, ao que eu construo e faço como pessoa. Eu devo
estabelecer amizade, simpatia e amor com múltiplas coisas, seres e atividades.
Todavia com alguns condicionantes: que esse(s) sentimento(s) sejam moderados,
regidos por razão e consciência. Com a firma e lúcida noção de que o objeto de
meus sentimentos não tem garantida de eternidade. Namoro e casamento acabam ,
meu time nem sempre ganha, nós somos mortais, meu bichinho morre, minha
referência pode morrer.
Assim temos enfim a paixão. O que seria esse sentimento? Na
origem temos o grego passio ou o grego pathe, cujos significados eram
sofrimento, suplício, doença. Do radical surgiram por exemplo patologia, estudo
das doenças. Daí psicopatia e encefalopatia. Não impropriamente a
semântica trouxe um sentido patológico a qualquer “ amor desmedido e irracional
“, paixão. Amor cego, desvairado e neurótico a alguém, a um objeto ou time de
futebol.
Daí vem os riscos de um namoro, um casamento, uma atração, ou
admiração por uma equipe de esporte. Na separação ou derrota e outras perdas o
sofrimento psíquico e moral são enormes. Necessário se faz um processo
educacional com as crianças e adolescentes. Em todos os vínculos afetivos ou de
amizade ou de admiração a outra pessoa, a uma equipe de esporte, a um animal.
Que seja amizade ou amor. Que seja um vínculo de admiração como numa “torcida”
pelo time A ou B. Mas, com essa firme noção, o que excede a esses
sentimentos pode se transformar numa condição semântica patológica vulgarmente
chamada paixão. Quer estado mais sofrido, mas mórbido, mais angustiante , mais
excruciante do que foi a Paixão de Jesus Cristo?
Dez/2016.