A MEDICINA DO
SACERDÓCIO E DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS
João
Joaquim
Não impropriamente
a medicina já foi correspondida e definida como um sacerdócio. E de fato na sua
gênese, na sua origem foi assim que os seus percursos, os seus criadores
a idealizaram. Para tanto faz-se necessário ler ao menos os juramentos de
duas figuras da história da medicina, Hipócrates, filósofo e médico; e de
Moisés Maimônides (1135-1204), judeu e grande cientista das religiões como
judaísmo, islamismo e mesmo do Cristianismo, ou seja, ele foi um pensador
eclético e sem barreiras.
Assim pensaram
esses dois luminares históricos nos albores da profissão e na idealização de
como deveria se comportar, pensar, atuar e praticar essa medicina, a arte de
prevenir, de aliviar o sofrimento e cura das doenças. Daí surgiram
várias referências , sendo o médico comparado a um sacerdote.
Seria aquele profissional com um misto de fraternidade, de arte e ciência
; um sacerdote da saúde a distribuir os dons dessa sua formação aos desvalidos
de saúde, aos que sofrem, que padecem de qualquer enfermidade e tem ameaçada a
sua vida.
Ao trazer essas
atemporais concepções para nossos tempos poderíamos considerar a prática da
medicina, tendo a internet e a informática como divisórias de duas épocas bem
estanques e bem distintas. Porque essas duas conquistas da humanidade marcam
uma era de antes e uma era do pós tecnologia da comunicação e de armazenamento
de informações, as hoje já populares tecnologias da informação (TI).
A Informática cuida
de arquivo de dados com o emprego de vários instrumentos de
gravação e salvamento de dados (salvar, salvar como). Os avanços tecnológicos e
científicos coincidentes com o nascimento da internet e informática superam
aqueles de 50 anos para trás. Nunca na história houve tantos avanços como os
conferidos neste meio século .
Trazendo todos
esses avanços técnicos e das ciências para a área da saúde se conclui : o
quanto de aprimoramento e eficácia em diagnósticos na área de análises
clinicas, em radioimunoensaio, em dosagens hormonais e exames de imagem. Com
isso foi também possível a medicina se superespecializar. Hoje, têm-se os
especialistas segmentados no corpo humano. Assim temos o ortopedista de
joelhos, o de coluna, o de mãos, o de ombros. Atingimos uma tamanha
fragmentação de especialidades, que dividiram os órgãos em especialistas. Os
exemplos são as subespecialidades da cardiologia. Não bastar ser cardiologista,
têm-se os especialistas de hipertensão arterial, de arritmias, de marca-passo,
de coronárias, de válvulas. Além do cirurgião dessa e outra parte do coração.
No campo da
cirurgia, o quanto de qualidade, menor tempo operatório e segurança para o
paciente e para o cirurgião. Como exemplo as cirurgias por endoscopias,
laparoscopia (abdome), broncoscopia, laringoscopia. São técnicas empregadas
para fins diagnósticos (biopsia, por exemplo) e fins curativos. Muitas são as
doenças hoje realizadas com as endoscopias. A grande vantagem é o curto período
de internação.
Para o sistema
cardiovascular, dispõem-se por exemplo das técnicas de cateterismo. Ele é
rotineiramente utilizado para diagnóstico e terapêutica. Qualquer órgão vital
como rim, coração, pulmão ou cérebro pode ter diagnóstico, implante de
prótese (stent por exemplo) e outros procedimentos
terapêuticos e cirúrgicos com segurança. São exemplos os stents nas coronárias,
os clips de aneurisma cerebral e cateter para desobstrução de alguma
artéria de outro segmento corporal ou órgão interno.
Outros progressos
têm-se os utilizados como a radioatividade, tanto na cura para a maioria dos
tipos de câncer, bem assim exames de imagem, como as radiografias e
tomografias. São exames de imagem que mostram as mínimas lesões dos
diversos tecidos e órgãos internos.
De igual
importância, nesses avanços tecnológicos e científicos, têm-se as opções
terapêuticas para as mais variadas enfermidades. Basta para ficar em dois
exemplos, os casos de infecções pelo HIV e muitos tipos celulares de neoplasia
(câncer). Na década 1990, ser contaminado pelo vírus HIV era quase uma sentença
de morte lenta, humilhante e dolorosa. Houve muitos avanços nas chamadas drogas
antirretrovirais (HIV = retrovírus).
Ainda não se tem a
cura plena da AIDS( infecção pelo HIV), mas um controle pleno da infecção viral
e longa sobrevida. O mesmo sucesso terapêutico se tem para a grande maioria de
tumores malignos, quando se tem a cura total ou vigilância para prevenção de
recidivas.
Postas assim tais
conquistas e avanços nas ciências da saúde, ficam e sobram aqueles princípios e
postulados, equiparando a medicina a um sacerdócio em prol da saúde e do
bem-estar humano. E o protagonista, elemento central e foco único ou primeiro
da medicina, o homem, o paciente, quem padece de alguma doença ?
O que se tem hoje é
uma nova relação médico/paciente. Diante de tantas opções diagnósticas e
terapêuticas. Cada vez mais esse contato do profissional com o doente tem se
tornado superficial, raso, rápido e robotizado. Cada vez mais o médico pouco
escuta, pouco ausculta, pouco examina e está sempre apressado, porque tem
múltiplos compromissos profissionais, múltiplos empregos, plantões, etc. Nesse
contexto, o que tem predominado é uma medicina informatizada, laboratorial,
digital e imagética. É quando entra em cena um sem-número de exames
hematológicos, de anticorpos, de proteínas, vitaminas e minerais. No capítulo
das imagens há o uso e abuso dos scans , das cintilografias, das tomografias,
dos ultrassons, dos exames de doppler, das ressonâncias, scopias e cateteres.
O lado negativo e
danoso às pessoas é que os charlatões nunca fizeram tanto sucesso. Existe muito
enganoterapia no mercado. Nunca os charlatões diplomados fizeram tanto sucesso.
Eles estão `a solta, consultam e curam até pela Internet. Um perigo que ronda a
sociedade.
Em que pese todos
os benefícios, com tanto aprimoramento das tecnologia e das ciências, o
paciente tem sido desumanizado. Não se trata mais o doente (pessoa) ,mas, sim a
doença. Não se trata mais pessoa, mas um órgão. Um fígado, um cérebro, um
coração. A relação médico/paciente se tornou robótica, digitalizada e
protocolar. Em lugar de pessoa, tem-se um caso clinico, o usuário, um
prontuário, um caso clínico comum , um caso interessante, um laudo,
senhas, escores, algoritmos, diagnósticos e prognósticos, são tendências na
desumanização dos humanos; e pelo visto a coisa vai piorar , no que
há que se lamentar.
As vedetes da
Medicina passaram a ser o Laboratório, as imagens, o escaneamento do corpo
humano, as plásticas, as remodelações, os tratamentos cosméticos , os botox, as
lipos, as esculturas, os compostos químicos para tudo, até a tentativa dos
elixires de longa vida. Onde tudo isso vai parar ? Ninguém
sabe. Agosto 2018