o homem sem qualidades
Ao se deter, se debruçar sobre de como se dá a arquitetura moral e do caráter da pessoa, tem-se logo o quanto a família é determinante nessa formação. Nenhuma pessoa, mas ninguém mesmo traz esse manual de instrução de vida ao nascer. Porque é justamente para essa épica jornada que servem o caráter e o arquivo moral da pessoa. Atributos esses passados, ensinados, treinados e formados pela família, nas pessoas de mãe e do pai, biológicos ou adotantes. Na falta destes, esta missão deve ser feita pelos cuidadores, pelos responsáveis, pelos tutores e professores de todos os níveis escolares.
Há um princípio de consenso, o de que ética, honestidade, caráter, correção moral são de responsabilidade da família, pelas pessoas acima nomeadas (mãe, pai, tutores, cuidadores). Nesse entendimento, fica nítido o quanto uma educação bem ou malfeita marcará o caráter e comportamento do indivíduo para sempre. Pai ou pau torto criará filha ou filho torto. Lei da natureza, infalível.
Não se pode diminuir ou desprezar o papel significativo dos genes, da influência genética na organização moral e de caráter da pessoa. É induvidoso que cada pessoa é marcada pelos códigos e leis dos genes. Essas marcas e determinantes (DNA) estão presentes não apenas nos traços físicos, de pele, cabelos, cor de olhos, impressões digitais, na fisiologia e anatomia. Mas, de igual intensidade e fidelidade no arcabouço moral e psíquico do indivíduo. É inegável: cada pessoa traz uma natureza, um sestro, uma energia de vida e de comportamento próprio. Entretanto, o caráter e a moral são moldáveis e instruídos por uma educação padrão em busca de retidão e honestidade em tudo a se fazer quando a pessoa adquire maturidade e autonomia civil e social. Ética e retidão de caráter, são ensinadas e treinadas de infância – Aristóteles.
A
nda na compreensão de caráter e comportamento. Há de se lembrar que está excluindo os casos patológicos, das chamadas condutopatias, das psicopatias nos seus variados graus e tipificações. Muitos são os indivíduos que se comportam de forma antissocial, ilícita, como folgados, como aproveitadores, como exploradores e sugadores (suctórios) porque esses tais têm distúrbios de personalidade, manias, doenças psíquicas não tratadas ou subdiagnosticadas.
Como entender as nuanças e vícios humanos? Buscar e abeberando em autores e fontes fieis e sem vieses. Onde? Nos ramos de Filosofia, de Sociologia, nas correntes filosóficas e até doutrinárias, quando estas não trazem um caráter moralista ou religioso. Nesta indicação, bons exemplos são Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Sêneca, Marco Aurélio, Espinoza, Heidegger.
Outra magnifica indicação: O Homem Sem Qualidades e/ou O Jovem Torless - Robert Musil - Leiam essas indicações, ou essa última, e teremos uma chancela do que se entende pelo que seja a natureza, o caráter moral ou imoral de muitos indivíduos, homens ou mulheres, profissionais, militantes diversos, jornalistas, auditores disso e daquilo, funcionários de tribunais. Muitos desses tais detêm bacharelato em Direito, que faz o múnus direito ou certo por exigência funcional ou “compliance corporativa”. Tudo feito com guias de algoritmos, do isto, sim; isto, não, isto pode, isto não pode.
Sérxio do Apito, homem já na madureza e veterano, bacharel em curso renomado de Humanidades, era esse, como aqueles retratados em emblemáticas obras da natureza humana. Ou como o personagem Custódio do conto O Empréstimo de Machado de Assis. Sérxio, não trazia a vocação do trabalho. Nem do trabalho nem da correção nas tomadas de bens e ativos alheios para viver no bem bom como bom vivente. “Notícias mínimas, e aliás necessárias ao complemento de um certo ar duplo que distinguia este homem. A causa não era outra mais do que o contraste entre a natureza e a situação, entre a alma e a vida. Esse Custódio nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho”(O empréstimo de Machado de Assis).
Vou recomendar de novo, ler O Homem Sem Qualidades e/ou O Jovem Torless - Robert Musil. Assim, são os milhares de indivíduos, os homens, ou mulheres que levam uma vida sem predicados nobres, sem atributos que os possam nominar de humanos. Pouco importam esses tais e quejandos indivíduos de esbulhar, de se apropriar das energias, beneplácito e ingenuidade de gente próxima como proveito próprio.
Quantas não são as pessoas que perdem essa sensibilidade de cuidar de sequer um pet, com as recomendações cientificas de biossegurança e microbiologia? Não se pode nem embrutecer uma pessoa (animalização), muito menos antropomorfizar um animal. Que sociedade humana é esta?
Sérxio do Apito, vivia assim. Ela tinha para cuidar um Caparaó e um Duroc. Caparaó já idoso, em frangalho, maltrapilho, em andrajos. E só dava a ele o coercitivo social e repelente.
No trato com ativos e bens alheios, agia com puro desdém ou mofa. E nessa banalização levava sua vidinha de luxo, de esbórnias gastrocnêmicas e endêmicas. “Mas não tinha dinheiro; nem dinheiro, nem aptidão ou pachorra de o ganhar; por outro lado, precisava viver. Il faut bien que je vive, dizia um pretendente ao ministro Talleyrand. Je n’en vois pas la nécessité, redargüiu friamente o ministro. Ninguém dava essa resposta ao Custódio; davam-lhe dinheiro, um dez, outro cinco, outro vinte mil-réis, e de tais espórtulas é que ele principalmente tirava o albergue e a comida” (O empréstimo, de Machado de Assis). Assim, vivia Sérxio do Apito, no perpétuo caradurismo! Arre! Vade retro esbulhador! Até que um dia, dormiu sono profundo e permanente! Natureza inclemente, caducente.