Melissa e Valdevinos
São muitos os demonstrativos do quanto cada pessoa, seu caráter, sua moral, seus qualificativos éticos e sociais, os hábitos, guardam estreita conexão com a relação social que se estabelece com os membros parentais de mesmo habitat ou domicílio. Enfim, o quanto esses atributos e valores humanos guardam estreita relação com a chamada educação de berço. Aquela instrução conferida por pai, por uma mãe e/ou os parentais e cuidadores e tutores da criança.
Quem lê ou ouviu alguma conferência do filósofo francês Pierre Bordieau (1930-2002), há de se convencer do quanto uma educação mambembe, tosca, tolerante ou tabajara, vai de igual forma construir um futuro cidadão também tosco e tabajara. Há uma estreitíssima relação biunívoca e unívoca nesse conhecimento da Sociologia. Essa relação estruturalista/construtivista, está bem elaborada na descrição dos chamados habitus, campo e capital, conforme ensina Bordieau. Infalível lei social e emocional.
É muito instigante e cativante quando estudamos a fundo as teses de Bordieau e assistimos na prática e nas amizades essa concretização. Podem-se tomar os tipos sociais e familiares mais corriqueiros e ver esse paralelismo. Cada pessoa é, em grande medida, o espelho de um pai, de uma mãe ou tutor que a educou. O bojo e cabedal social, cultural e civilizacional de um ou ambos os pais, os valores abstratos gerais, vão ser repicados na constituição do filho, da filha ou educando (a) sob suas responsabilidades. De um corvo ou gaturamo nunca se nasce um águia ou albatroz.
Valdevinos era aquele tipo social tosco e vilão, tal e qual ou quid foram seus pais. Lambão, trapalhão, que tinha como ponto gravitacional máxime suas patuscadas de vaca atolada, acarajé, baião de dois, buchada e outros pratos de muita sustança. E não gostava de dividir a conta de almoço ou jantar ingerido fora. Melissas e Valdevinos quando se encontravam não havia identidade. Zerismo.
Era sempre constante o ritmo de vida de Melissa Filgueira. Ela acordava por volta de 7 horas matinais, fazia sua higiene fácil e capilar; fazia questão de se dirigir a cada pessoa da casa e os cumprimentava afetuosamente, amoravelmente. Estivesse onde estivesse; na própria casa ou em casa onde se hospedasse ou hotel das viagens. Era uma forma de saudação de olho no olho dos interlocutores.
_Melissa, e você dormiu bem e sonhou? Dormi, sim, Natércia. Eu tenho sempre um sono de qualidade, estando cansada do trabalho ou de folga como este final de semana.
Natércia, era o que se pode chamar aquela amiga do social e do coração. Mais que amiga, era uma candidatíssima a se tornar uma parenta por afinidade, como iremos deduzir à frente!
A admiração por Melissa, se notava porque ela era de fato aquela pessoa de bem com a vida. Onde fosse que se encontrasse, ela se mostrava afetuosa, gentil, laborativa e colaborativa. Era uma participação no estilo comodato. Havia graça, enlevo e alegria em seus contatos sociais. Eram, assim, virtudes fungíveis nessa concessão de bem-estar e pacifismo.
Algumas minúcias merecem destaque no estilo de vida e relações sociais de Melissa. E começa-se pelo simples gesto de assentar-se a uma mesa de café, almoço, um lanche fortuito. O preventivo de se dirigir a um lavado ou torneira de mãos e sanitário. Cuidados de civilidade, biossegurança. Por vezes afirma ela. Outro expediente adotado: nunca levar um celular à mesa. Ele ficava sempre off-line e guardado na bolsa de mão.
_Melissa, não se preocupe de desligar o celular. -Não, seu Júlio (Júlio era o marido de Natércia). Celular, se mal-usado é um objeto antissocial e inconveniente, um estorvo e contagioso nas boas e fraternas conversas, como estamos a fazer nesse momento.
Parece de somenos e ínfima significância, mas vale o relato. O ritmo de se alimentar de Melissa. Era uma mastigação paulatina, graciosa, silenciada. Nunca se via restos de comida em suas vasilhas, pratos, taças, sucos, creme e sobremesa. Gestos mínimos, mas mostras também mínimas de civilidade. Ao certo, legados de sua educação paterna e maternal. As Ciências o preveem!
Acabada qualquer ingestão alimentar, mínima que fosse, um petisco, um sorvete, um café expresso. Mas, substancialmente, uma refeição principal e maior, Melissa era a primeira, ao término de todos se alimentar; era a primeira a recolher os utensílios utilizados, algum guardanapo amassado, e ir à pia deixar tudo lavradio e limpo. _Melissa, não precisa lavar seu prato, copo ou talher usado, querida! Depois se lava! _ Não, Rodolfo (filho de Júlio/Natércia). O que se usa e se desarranja, se arruma depois dos prazeres. _ Sabe, Rodolfo, que desde pequenina, eu aprendi isto em casa, coisa de minha mãe. Não deixo nada para trás.
E os recatos e sobriedade no vestir que se via em Melissa. Merece também um registro. Onde quer que se encontrasse, havia como que a chamada pequena ética ou etiqueta. Como queira nominar. Ainda que fosse em clube, uma praia, uma piscina, um passeio no parque ou hotel-fazenda. Melissa, adotava os cuidados, conforme o ambiente e as pessoas circunstantes. Nunca se via a jovem Mel (como alguns a chamavam) em blusas, em bermudas, em roupas sumárias. Era uma regra seguida à risca. Roupas e vestes se fazem conforme o ambiente e as pessoas de envolta.
E para concluir, vale esse reparo, de reparação mesmo, no primeiro significado. Era o humor ou é o humor de Melissa. Era a pessoa que se pode tipificar como de bem com a vida e com a natureza. Perguntada como se fazia; como lidava com alguma mofa ou chiste intempestivo. Ou mesmo falha social, um lapsus de algum interlocutor. E ela, serenamente retorquia: interpreto cada gesto, e procuro compreender cada expressão. Por vezes, faço humor até com minhas escorregadas e lapsos. Eles fazem parte de nossas pequenas ou grandes falhas. Ninguém é igual a mim, somos únicos no mundo! Admirável jovem Melissa! Reprochável folgado Valdevinos. “Humanos somos, nada de humano me estranhas”. Terência, pensador romano.
João Dhoria Vijle - Crítico Social e Escritor