ALUGUEL DE PESSOAS
João Joaquim
Quando se fala em aluguel ou locação vem à mente
de qualquer pessoa aquela tomada de empréstimo de um objeto, um bem, um imóvel,
um animal para cavalgadura e outros serviços. E até mesmo os próprios serviços.
Nos tempos modernos, de tantas mudanças sociais, das relações humanas mais
distensíveis surgiu um novo tipo de aluguel. O de pessoas. Com um diferencial
nesta nova modalidade, em geral não se paga nada pela locação. Esse novo
inquilino pertence ao grupo dos folgados ou exploradores de gente. Geralmente
esse novo locatário é um parente (a), um classificado amigo próximo ou
contraparente ou aderente. Não importa.
Essa relação em geral se estabelece, não de
forma um tanto sub-reptícia ou de chofre, mas à moda paulatina e dissimulada.
Os meios empregados são vários. Indo desde a posse de bens e objetos e dinheiro
do outro até a ocupação do tempo.
O aluguel da pessoa pode se dar na forma
abstrata. Isto é : nem sempre de forma substancial ou material . Pode ser via celular ou pelas
redes sociais. E a vítima ou locador vai se enredando, caindo nas graças
ou rede desse novo inquilino . Nessa modalidade de aluguel, a vítima ou locador
vai dispondo de seu tempo, minutos, horas a fio por conta de quem aluga a pessoa.
Era uma vez, já faz duas décadas, eu ouvi um
antigo professor meu dar uma entrevista. Coisa rara em suas aparições.
Chamava-se Joseph Minder (1940-2010). Pela raridade tal entrevista ficou em
minha memória permanente. Minder era um profundo estudioso de sociologia,
psicologia do comportamento humano e filosofia. Muito centrado, introspectivo,
cenho sempre severo, pouco riso e fala escandida e serena. Reverberava um misto
de admiração e respeito. Suas frases e opiniões, quando proferidas soavam como
diretrizes de vida. Nessa fortuita e inopinada entrevista o professor Joseph,
como era arguido falava sobre a exploração do outro. Uma expressão por ele
empregada ficou inscrita em minha mente. “O aluguel do outro”. Locução que fez
parte da temática, a exploração do outro.
Ao se falar na questão do exploração
socioeconômica, poder-se-ia buscar as teorias já bem conhecidas do comunismo,
do capitalismo, das teses de Karl Marx. Sua obra mais conhecida é o Capital.
Soa estranho! Mas, o título é esse mesmo; da relação entre capitalismo,
poder e proletariado.
Nem tampouco quero falar da escravidão social ,
naqueles moldes mais hediondos, quando os africanos negros eram tratados como
animais. Digo mal porque eram tratados ou maltratados pior do que animais,
seviciados, torturados e mortos. E vendidos como mercadorias. Aquela escravidão
horrenda, medonha, terrificante foi abolida no Brasil, em 1888. Decreto esse
assinado pela princesa Izabel, a filha de Dom Pedro II, que estava em viagem ,
fora do País.
Hoje, impera no Brasil e no mundo a chamada
escravidão dissimulada, de brancos e negros. Não importa a etnia. Temo-la de
duas categorias: a informal e a formal ou legal. Na categoria informal, a
escravidão se dá no mesmo estilo de tráfico negreiro. O trabalho é do mesmo
modo explorado. Em geral o trabalhador braçal é cooptado por um agenciador,
levado para os campos agropastoris e lá mantido como em trabalhos forçados. Sem
as mínimas condições sanitárias ou tratamento digno, sem salário ou direitos
trabalhistas. Já na chamada escravidão formal, o operário, seja ele rural ou urbano
(construção civil, infraestrutura) tem até carteira de trabalho assinada,
direito de atendimento pelo SUS, etc.
Todavia, se ele adoecer tem o risco de morrer
nas filas dos hospitais públicos, os filhos estudam nas piores escolas
públicas. Ao final de cada mês, o salário mal dá para o aluguel de um barracão
ou casebre popular. Depois de 35 anos trabalhados, o proletário, já todo
alquebrado, esclerótico e debilitado vai receber um mísero salário mínimo. Isto
se o trabalhador sobreviver a esse saco de injúrias. Talvez os braçais da
escravidão negreira tivessem melhor qualidade de vida. Ao menos o sujeito comia
muita feijoada, garapa, melado e rapadura.
Conforme preleção do professor Joseph, existe no
íntimo de muitas pessoas uma semente desejosa de explorar o outro em todas as
suas potencialidades e força de trabalho. Em um outro polo, existe também uma
legião de pessoas com uma predisposição em ser exploradas, sugadas, alugadas e
maltratadas.
Há um livreto, uma obra, pequena em volume, mas
magnânima nesse sentido. Chama-se o discurso sobre a servidão voluntária, de
Éttienne de La Boétie ( 1530-1563) . Nessa monumental tese Éttiene fala da
relação que se estabelece entre o tirano e os súditos ou tiranizados. Tal
relação de explorador e explorados vai se fazendo em cadeia num efeito dominó.
O mais curioso é como tal ligação se dá nas cenas e rotinas, as mais comezinhas
e ordinárias das pessoas. No caso de um tirano de Estado. Ele tem um séquito de
pessoas que o assessoram. Ministros, chefes disso e daquilo. Estes , por sua
vez, vao tiranizando e alugando os subalternos, os de hierarquia menor.
Nesse sentido, basta que cada um olhe para o seu
círculo de “amigos”, colegas, contatos os mais variados. Esse entorno está
representado por parentes, contraparentes, aderentes e repelentes. São os
manos, os cunhados, os concunhados e outros tais. Como se encontram esses tais
fidagais nos meios familiares!
Assim, ninguém escapa a esses alugadores e
alugadoras. São exploradores (as) dos parentes classificados como bonzinhos,
solidários, gente boa. Muitos dos, de fato, aqui generosos e honestos são
manipulados, alugados e sugados em sua energia, em seus préstimos pessoais, em
suas horas de direito ao descanso e ao ócio.
Na lábia e aliciamento desses indesejados
parentes e contraparentes vão ainda objetos e utensílios nunca devolvidos,
empréstimos de dinheiro nunca pagos e outros mimos e favores jamais retribuídos
na mesma intensidade.
Por isso concluo que a melhor resposta contra
esses aluguéis e exploração pessoal; o melhor troco ou revindita a essas
insolentes pessoas é um contundente e penetrante. Não. Se insistirem, não e
não!. Dezembro/ 2108